terça-feira, 2 de setembro de 2014

O escritor MILTON HATOUM desiste de Marina Silva e justifica

POR BOB FERNANDES

Citado nos últimos dias, nas redes sociais, como apoiador da candidatura Marina Silva (PSB), o escritor Milton Hatoum, em entrevista ao Terra Magazine, diz por que desistiu dessa “propensão”: 

- O motivo principal foi a mudança, para mim inaceitável, de alguns pontos do programa da candidata do PSB.  Marina Silva alegou “falha processual na editoração do texto”. Essa justificativa me pareceu totalmente infundada. Na verdade, foi uma renúncia ao compromisso de respeitar, sem hesitação, o Estado secular.

Opina ainda Hatoum:

- Claro que houve pressão de líderes religiosos, neopentecostais. E quando grupos religiosos desafiam princípios éticos e republicanos, algo vai mal.

Abaixo, a íntegra da entrevista.

Nos últimos dias, nas redes sociais, vinha sendo citado seu apoio à candidatura de Marina Silva, do PSB. Neste domingo, em pequena nota, você desiste do que esclareceu ser sua “propensão” a votar em Marina. Qual o motivo dessa mudança de posição?

Milton Hatoum: O motivo principal foi a mudança, para mim inaceitável, de alguns pontos do programa da candidata do PSB.  Marina Silva alegou “falha processual na editoração do texto”. Essa justificativa me pareceu totalmente infundada. Na verdade, foi uma renúncia ao compromisso de respeitar, sem hesitação, o Estado secular. Esse compromisso constava no programa original. Claro que houve pressão de líderes religiosos, neopentecostais. E quando grupos religiosos desafiam princípios éticos e republicanos, algo vai mal. Todos os dias cometem-se crimes e agressões contra homossexuais. A nova “editoração do texto” ignorou o compromisso de articular no Legislativo a votação do projeto 122/06 e também suprimiu o combate ao bullying no PNE (Plano Nacional de Educação).

O que mais incomodou nessa questão? Além desse aspecto que envolve o Estado laico – a possibilidade de mistura de assuntos de Estado com religião – houve uma reflexão que chegue a outros temas?

Há pontos muito positivos. Por exemplo: a necessidade de reformas política e tributária. Mas o programa econômico me pareceu vago, acho que deveria ser mais detalhado. No PSB, considero Luisa Erundina uma mulher admirável, extremamente ética, o que significa dizer: extremamente responsável. Também admiro Marina e sua trajetória de vida.  Mas se ela for eleita, quem serão seus aliados?  As bancadas religiosas? Os fisiológicos do PMDB? Isso também precisa ser esclarecido.  

Do ponto de vista pessoal, qual seu aprendizado em relação a assuntos de fé? O que e com quem se deu sua formação ou não nessas questões?

Não tive uma formação propriamente religiosa. Fui batizado (católico) aos 11 anos, mas o sacramento do batismo não é eterno, depende da formação educacional, da experiência de vida e da convicção de cada pessoa. Minha mãe era católica praticante, meu pai era muçulmano não praticante, nem havia mesquita em Manaus. Durante a infância nessa cidade, convivi com crianças de famílias católicas e judias, cujos pais eram amigos dos meus. Algo desse convívio foi abordado nos meus romances. Na minha casa, a religião não era uma questão, muito menos um assunto crucial. E eu mesmo nunca fui constrangido a seguir essa ou aquela orientação religiosa. Estudei em escolas públicas, portanto laicas. Respeito todas as religiões, pois fazem parte da cultura de uma sociedade. Mas discordo radicalmente dos crentes que, possuídos por um proselitismo irracional, histérico e messiânico tentam impor dogmas religiosos a um Estado laico. Pelo que já li e soube, importantes líderes políticos em Salvador pensaram em retirar símbolos do candomblé, expostos no Dique do Tororó, e me parece que ainda insistem nisso por lá. Nas últimas semanas e meses, templos de religiões de origem africana, como o candomblé, têm sido atacados no Rio, Salvador e em outras cidades. Isso é aceitável numa democracia? Muitos fiéis assimilam ao pé da letra um texto sagrado. Essa crença na palavra divina é compreensível na prática religiosa. Mas quando fiéis ou líderes religiosos tentam impor sua interpretação do texto sagrado ao mundo terreno, pode ser muito perigoso para o conjunto da sociedade e até para o funcionamento do Estado. O diabo, os pecados e milagres deveriam ficar restritos ao diálogo íntimo dos crentes com o poder divino. Como escreveu Guimarães Rosa, na página final do Grande sertão: veredas, em que o narrador Riobaldo diz a alguém que ouviu sua história. “Amável o senhor me ouviu, minha ideia confirmou: que o Diabo não existe… Existe é o homem humano. Travessia.” conteúdo: Terra Magazine

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