quinta-feira, 26 de maio de 2016

PAPETE: o Sabiá do coqueiro silenciou


Faleceu na madrugada desta quinta-feira no estado de São Paulo, o engenheiro ambiental, cantor, compositor e multi-instrumentista maranhense, José de Ribamar Viana,  ‘Papete’, vítima de um câncer na próstata.



Papete que foi revelado ao Brasil e ao mundo pelo legendário ‘selo “Discos Marcus Pereira” — um selo independente de música regional e música popular brasileira do produtor musical e pesquisador, Marcus Pereira que fazia um trabalho voltado para a valorização e divulgação da música regional.



Sobre Papete escreveu Juarez Duarte Bomfim do JORNAL GRANDE BAHIA



Publicado em 13 de março de 2016



Papete Viana e o Tambor de Crioula

 

Peço a todos os Santos, Orixás e Voduns dessa enorme Encantaria que é o Maranhão para proteger e preservar os sons mágicos e envolventes de seus tambores e tambozeiros, especialmente a saúde do Amigo Papete Viana, para que ele continue a alegrar as nossas vidas com sua maviosa arte.

Em viagens pelas plagas maranhenses, no ano de 2015, tive a grande satisfação de conhecer e privar da amizade de um ilustre maranhense, uma lenda, um mito da Musica Popular Brasileira: o percussionista, compositor, cantor e pesquisador Papete Viana.

(Como bom maranhense, Papete tem como nome de pia José de Ribamar, mas ele alerta que termina por aí a coincidência com um conhecido homônimo conterrâneo…)

Papete dispensa apresentações. Eleito, nos anos 1980, o melhor percussionista do globo terrestre, ele é figura marcante no cenário cultural brasileiro. A sua produção artística começou a ser divulgada no legendário ‘selo “Discos Marcus Pereira” — um selo independente de música regional e música popular brasileira — e continua profícua ao longo de mais de quatro décadas.

O “Dicionário Cravo Alvim da Música Popular Brasileira” registra que Papete foi músico em shows de Toquinho e Vinicius de Moraes e, com o falecimento do ‘Poetinha Camarada’ continuou a acompanhar Toquinho em 482 shows, em turnê por 18 países.

Papete atuou em shows e gravações com Rosinha de Valença, Marília Medalha, Hermeto Pascoal, Osvaldinho da Cuíca, Benito de Paula, Inezita Barroso, Diana Pequeno, Renato Teixeira, Almir Sater, César Camargo Mariano, Rita Lee, Sadao Watanabe, Ângelo Branduardi, Andreas Wollenweider, Ornella Vanone e Alex Acuña.

Todavia, quero destacar aqui a dimensão humana desta celebridade: gentil, cortês, cativante, solícito e amigo.

Naqueles dias do sempiterno verão maranhense, conversamos sobre tudo, e Papete me deu uma iniciação básica do que é o Maranhão e a sua capital, esta grande e caliente urbe nordestina da qual ele é a sua mais completa tradução.

Papete é um bom gourmet, e ao saber que era nossa primeira incursão naquele rincão nordestino — este que vos escreve e, claro, a minha muito amada Cecília —  nos deu um minucioso roteiro gastronômico da rica e variada culinária lá da ‘Ilha do Amor’ — como uma amiga grávida e de bem com a vida denominou aquela encantadora Cidade.

Pois vamos lá. Provei do ‘Arroz de Cuxá’ após Papete recitar a receita do refogado. O refogado é uma das principais técnicas da culinária que os portugueses espalharam pelo mundo, durante o processo de colonização.

— Doure a cebola e depois coloque o tomate, o pimentão e o camarão seco. Deixe fritar por uns cinco minutos; adicione a vinagreira, que deve estar batida ou cortada na faca. Acrescente o leite de coco, o gergelim torrado e, por último, misture ao arroz já previamente cozido. Bom apetite!

Provado e aprovado.

Quando soube que visitaríamos o Santuário religioso de São José de Ribamar, Papete exclamou:

— Comam peixe-pedra!

O apetitoso pescado recebeu este nome porque costuma se esconder dos ardilosos pescadores no fundo do mar, por entre as locas e pedras das águas escuras do litoral daquela mística Cidade, guarnecida pelo ‘Santo de Botas’: São José do Arribamar.

E por falar em peixe, já que se trata de uma Ilha, o músico maranhense recomendou almoçar um apetitoso robalo no Restaurante de Dona Roxa no Mercado Municipal, Centro Histórico de São Luís… Dona Roxa já não se encontra neste mundo, encantou-se. Porém, fomos bem recebidos por sua filha e sucessora na arte culinária, Dona Roxinha — e netas.

Tem mais: de sobremesa sorvemos a Jussara… Não, Jussara não é uma jovem e graciosa “ludovicense” — estranho nome que se dá aos nativos de São Luís… Jussara é o sinônimo que se usa para a deliciosa fruta açaí…

Na Cidade Histórica de Alcântara, Papete recomendou:

— Não deixem de provar o “Doce de Espécies de Alcântara”.

Feito!

Em badalado e sofisticado restaurante praieiro de São Luís, já apreensivos de subir em balança de farmácia, comemos apetitosa ‘Carne de Sol de Carneiro’, ótima dica do célebre Amigo.

O melhor ainda estava por vir… e fomos lá. Os notívagos e boêmios “ludovicenses” costumam terminar a longa noite de folguedos fazendo refeição nos inúmeros trailers que se espalham pelas calçadas e praças de São Luís. Nestes botecos improvisados, famoso é o “Arroz de Papete” — cuja receita é um mistério guardado a sete chaves. Visite São Luís e conhecerás.

Livro-álbum “Os senhores cantadores, amos e poetas do bumba-meu-boi do Maranhão”

Nos últimos anos, Papete Viana esteve empenhado na realização de um extraordinário Projeto Cultural intitulado “Os senhores cantadores, amos e poetas do bumba-meu-boi do Maranhão”, voltado ao registro, resgate e preservação da memória da maior manifestação cultural do Maranhão através de seus personagens principais que dão titulo ao trabalho.

O Projeto se tornou uma das mais importantes missões da vida do artista: resgatar a vida e a obra desses anônimos cantadores. O trabalho de pesquisa resultou no livro-álbum “Os senhores cantadores, amos e poetas do bumba-meu-boi do Maranhão”, que possui fotos, textos de pesquisadores, um resumo sobre a obra dos cantadores de acordo com o sotaque e um glossário com termos usados na brincadeira, e vem acompanhado de DVDs com entrevistas dos cantadores e um CD com toadas que marcaram época.

O mítico e mágico universo da Encantaria do Maranhão

Nestes dias de longas conversações, o Amigo Papete Viana iniciou-me no mágico e místico universo da Encantaria Maranhense e as histórias do Tambor de Mina, com suas extraordinárias deidades e entidades da cultura e religiosidade europeia, africana e ameríndia.

No Maranhão circulam várias narrativas relacionadas ao mito do Navio Encantado de Dom Sebastião, que é visto pelos viajantes no local conhecido como Boqueirão, no Golfão Maranhense. Há também a lenda do Navio Encantado de Dom João, que era visto pelos frequentadores do antigo Terreiro do Egito (Tambor de Mina) no local próximo ao Porto do Itaqui em São Luís. Há igualmente o mito da Princesa Iná, filha do rei Dom Sebastião, que ficou revoltada quando seu Palácio, no fundo do mar, foi perturbado pela construção do Porto do Itaqui.

Papete narrou-me a surpreendente e misteriosa história de que, durante a construção do Porto do Itaqui, em São Luís, aconteceram diversos acidentes graves e alguns escafandristas morreram.

Pais-de-santo do Tambor de Mina divulgaram a notícia que o Porto era o local da Encantaria da Princesa Iná, filha do rei Dom Sebastião e que a Princesa estava revoltada, pois seu Palácio, no fundo do mar, fora perturbado pelas obras e por isso escafandristas estavam morrendo.

Para acalmar a ira da Princesa, aqueles religiosos prometeram oferecer sacrifícios e organizar uma grande festa, reunindo representantes de diversos terreiros na Praia do Boqueirão, próximo ao local. Foi o que ocorreu em 1970, com ampla repercussão na mídia e apoio de autoridades municipais — que foi muito divulgado na época.

Depois disso não ocorreram mais acidentes na construção do Porto. Entretanto, alguns pais-de-santo dizem que, de tempos em tempos, as oferendas precisam ser renovadas para evitar futuros problemas entre o mundo dos vivos e os vigilantes Encantados maranhenses…

Finalizando, eu peço a todos os Santos, Orixás e Voduns dessa enorme Encantaria que é o Maranhão para proteger e preservar os sons mágicos e envolventes de seus tambores e tambozeiros, especialmente a saúde do Amigo Papete Viana, para que ele continue a alegrar as nossas vidas com sua maviosa arte.

“Observar sempre, aprender com quem sabe mais, pesquisar sempre, conhecer a alma das pessoas humildes, entender o mar, apreciar as chapadas e traduzir as nuvens” (Papete Viana).



Trajetória



Bandeira de Aço: o disco que consagrou Papete

Papete nasceu em Bacabal – a 240 km de distância da capital –, e é uma das principais referências do São João do Maranhão, com canções e composições que marcaram gerações, como ‘Bela Mocidade’, ‘Boi da Lua’ e ‘Coxinho’. Seu trabalho mais destacado é ‘Bandeira de Aço’.
Papete foi reconhecido um dos melhores percussionistas do mundo, nos anos de 1982, 1984 e 1987, quando participou do ‘Festival de Jazz de Montreux’, na Suíça.
Mais recentemente, o cantor e compositor lançou um trabalho intitulado, ‘Os senhores Cantadores, Amos e Poetas do Bumba Meu Boi do Maranhão’, que resgata a história dos cantadores de bumba meu boi do Maranhão. Com blog Maranhão Maravilha

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