Saudades do Porvir
Eu vou com a noite
Pálida e fria
Na penedia
Me debruçar:
O promontório
De negro dorso,
Qual nau de corso
Se alonga ao mar.
Dormem as horas,
A flor somente
Respira e sente
Na solidão;
A flor das rochas,
Franzina e leve,
Ao sopro breve
Da viração.
Cantando o nauta
Desdobra as velas
Argênteas, belas
Azas do mar;
Branqueia a proa
Partindo as vagas,
Que n' outras plagas
Se vão quebrar.
Eu ponho os olhos
No firmamento:
Que isolamento,
Oh, minha irmã !
Apenas o astro
Que a luz duvida,
Promete a vida
Para amanhã.
Naquela nuvem
Te vejo morta ;
Meu peito corta
Cruel sentir ï
Da lua o túmulo
Na onda ondula,
E o mar modula
Como um porvir...
Joaquim
de Sousa Andrade (Sousândrade), nascido na vila de Guimarães, no Maranhão,
formou-se em Letras pela Sorbonne, em Paris, onde fez também o curso de
engenharia de minas. Republicano convicto e militante, transfere-se, em 1870,
para os Estados Unidos. Morando em Nova Iorque, funda o periódico republicano
"O Novo Mundo", publicado em português. Retornando ao Maranhão,
comemora com entusiasmo a Proclamação de República. Dedica-se ao ensino de
Língua Grega no Liceu Maranhense e passa, no final da vida, por enormes
dificuldades financeiras.
Morre
em São Luís, abandonado, na miséria e considerado louco. Sua obra foi esquecida
durante décadas. Resgatada no início da década de 1960, pelos poetas Augusto e
Haroldo de Campos, revelou-se uma das mais originais e instigantes de todo o
nosso Romantismo. Em Nova Iorque, publica sua maior obra, o poema longo O Guesa
Errante (1874/77), em que utiliza recursos expressivos, como a criação de
neologismos e de metáforas vertiginosas, que só foram valorizados muito depois
de sua morte. Em 1877, escreveu: "Ouvi dizer já por duas vezes que o Guesa
Errante será lido 50 anos depois; entristeci - decepção de quem escreve 50 anos
antes".
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