quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

A poesia segundo Luís Augusto Cassas


A cura 

quando os olhos
daquele que é
absolutamente nada
chorarem pelos olhos
daquele que é
absolutamente tudo
e as lágrimas claras
do absolutamente todo
lavarem os ciscos dos olhos
do absolutamente nada
então veremos às claras
tudo absolutamente novo

Luís Augusto Cassas por José Louzeiro


Na condição de diabéticos, mesmo à revelia, Cassas e eu somos pessoas doces. Tomamos uma quantidade de remédios para evitar as formigas, mas, seja como for, somos doentes privilegiados, Cassas mais que eu, pois atropelado pelos amargos açúcares, perdi a perna direita, metade da mão direita, o olho direito deixou de enxergar. Vale dizer que a direita sempre me deu sérios prejuízos, mas não acabou com meu otimismo e vontade de existir. Mesmo aos pedaços digo bem alto: gosto de viver, gosto de meus amigos e até de alguns inimigos, pois são pessoas de valor e os livros são meus companheiros de todas as horas. Quando os abro, quase todos os dias e noites, para azar do diabetes, aprendo novas lições e sinto-me rejuvenescido.
Foi o que aconteceu quando li os dois belos volumes de a poesia sou Eu, do nosso estimado Cassas, marcados pela invencionice de um gênio, com seus atrevimentos e até galhofas.
O rebelde Cassas tudo transforma, sem a menor preocupação com as normas tradicionais que induzem a agradar, pois o que faz, com grande talento, é surpreender e até irritar. Sua poesia, agora reunida, tem o poder de mostrar-nos que o autor, de tantos e vigorosos versos, não é o Cassas que conhecíamos de outros livros ou, melhor dizendo, trata-se do Cassas integrante do clube dos diabéticos, ao qual eu também pertenço e nesse particular – que glória! – sou colega dele.
Nos volumes 1 e 2 do provocativo a poesia sou Eu, Cassas é o Savonarola redivivo, audacioso, igualmente rebelde e atormentado com seus gritos de quem se despede, de tudo, de todos e dele próprio. É uma espécie de mergulho em águas profundas num oceano de ideias e, curiosamente, sem queixas ou amarguras ele passa como um vendaval, sem se preocupar com a pequenez das coisas e de tantas pessoas.
Será que isso foi motivado pelo diabetes de que padece? A maldita doença influiu de alguma forma nessa espécie de extrema lucidez que torna a poesia que ele agora nos apresenta, com seus momentos simplesmente geniais?

Personalidade – Cassas, rebelde, não é membro de nenhuma academia, sindicato ou entidade de classe embora, contrariando-se, diga que gosta de um bom papo com os amigos. Mais curiosidade: a dinâmica, ousada e bem articulada poesia do Cassas que está nos seus dois livros, não indica, em nenhum momento, que o poeta esteja transitando pelos caminhos da solidão ou do individualismo. O que acontece é que ele consegue, com sua irreverência e umas boas pitadas de loucura, mostrar-nos que sua poesia é coisa viva, audaciosa e porque não dizer revolucionária, com a preocupação originalíssima de mostrar-nos não temer o mundo pequeno, medíocre, que o cerca e tenta asfixiá-lo.
Cecília Costa, uma das apresentadoras de a poesia sou Eu diz da desafiadora obra: “Expondo suas vísceras, o poeta maranhense conseguiu o que preconiza como arte maior na arte de versejar: colher a pura rosa dos abismos. Ou tirar mel do fel, na vigília e no sono? Poesia – diz o poeta -, segundo Cecília, “é o incêndio da beleza”.

Assis Brasil, crítico que durante anos escreveu no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, dirigido por Reinaldo Jardim, no Rio de Janeiro, comenta: “Todos os livros anteriores de Cassas parecem ser uma preparação para este, onde o poeta encontra um caminho, pervagando as múltiplas experiências místicas para alcançar o que Octávio Paz chamou de “a outridade” do ser humano. Quatro livros de Cassas, até agora, e uma obra poética já plenamente integrada no quadro geral da poesia brasileira”.

José de Jesus Louzeiro foi um escritor, roteirista e autor de telenovela maranhense. Iniciou sua carreira como estagiário em revisão gráfica no jornal O Imparcial em 1948 aos dezesseis anos de idade. O inventor do cinema-reportagem e autor dos livros Luís Flávio, o Passageiro da Agonia, o Caso Aracelli e Carne Viva. Assinou também o roteiro de dez filmes, sendo quatro deles já populares como Pixote, a Lei do mais Fraco, Os amores da pantera, o Homem da Capa Preta e Amor Bandido. Escreveu telenovelas para a extinta TV Manchete como Corpo Santo e Guerra sem Fim. Mas sua telenovela O Marajá, uma comédia baseada no governo de Fernando Collor de Mello, foi proibida de ir ao ar, numa época em que não havia mais censura no Brasil. 

Louzeiro faleceu aos 85 anos de causas não reveladas, mas consequentes de doenças que se agravaram em função do diabetes.


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