segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

A poesia segundo Gilvanni de Amorim

Ode ao amor desvanecido


É meia-noite.
Estou em casa e escrevo.
Não obstante a tristeza
E o vazio,
E porque escrevo,
Sou feliz nesta hora.
E nutro-me disto.

Olho para os objetos do quarto,
A máquina de escrever,
O dicionário,
Os livros, ah os livros,
Parecem ter vida na estante!
Vasculho as gavetas
À procura dos meus poemas.
Releio alguns;
Isto me dá uma súbita alegria!

Ah, estar no quarto sozinho, pensando!
Desligar-me das coisas na aparência;
Viajar em devaneios, divagações,
E tocar o íntimo, o cerne, o âmago.

Quartos são locais de meditação!
A eles me enleio por sentimento,
Por gostar do silêncio,
Por amar o enigma das esfinges...
Ó quartos, escuros de tão cerrados que
sois!
Ó quartos, arejados pelas janelas amplas
que tendes!
Amo a vós porque é de vós que se evola o
meu canto.

Eh amor de meninos acanhados!
Eh amor de mocinhas recatadas!
Eh amor platônico de olhares fugidios!
Eh amor de risinhos e beijinhos e ciuminhos!
Eh amor de namorados que se amam, e
são maduros!
Eh amor de parceiros fiéis! Amor mais que
perfeito!
Ó paixão, ó beijos, ó abraços, ó carícias!
Aprazo-me de vos cantar,
Folgo-me de vos louvar.

Eh-lá gigolôs de solteironas abastadas!
Eh-lá pederastas da Praça Pedro II!
Eh-lá amores lésbios da Universidade
Federal do Piauí!
Eh-la-hô amores da Esperteza Ociosa!
Eh-la-hô amores da Fantasia Colorida
Desfeita!
Eh-la-hô amores da Modernidade Política e
Literária!
Eh-la-hô amores de traição com véus de
hosana nas alturas!
Eh-la-hô amores da fornicação ininterrupta
e venal!
Eh-la-hô amores de putas, sem desejo, com
ânsia de dinheiro!
Canto-vos de tão menosprezados que sois,
Saúdo-vos de tão desdenhados que sois.

Ah, os amantes que se entregam à bebida
E se intoxicam de drogas
E se amarguram para o resto da vida...
A angústia dos amantes desprezados,
Das amásias infelizes que cortam os pulsos
E bebem veneno e se enforcam e se
defenestram
E tocam fogo às vestes,
Só porque os namorados as
abandonaram!
Ah, a angústia do moço que se matou
Com um tiro no peito, numa manhã de
abril...

Ó cordas que sufocais gargantas de
enamorados!
Ó fagulhas que carbonizais corpos de
amantes!
Ó armas que fulminais corações de
apaixonados!
Ó cicutas! Mil gatos! Químicas do Mal!
Ó bay-gons, aldrins, racumins!
Ó formicida tatu! Ó DDT!
Ó venenos de toda a espécie e de toda a
ordem!
Aplacai vossas fúrias assassinas!
Imunizai vossos efeitos letais!

E tanto vos canto a todos
Por amor de vos cantar,
Canto a minha Amada de corpo e alma!
E ainda canto o seu amor desencantado.

Ah, as doces recordações que trago de ti!
O cigarrinho sacrossanto pós-refeição,
A paciente maquiagem ao espelho,
O aroma do esmalte a recender na sala...

Ah, as nossas conversas de bastidores!
Eh-eh Psicologia do Comportamento
Individual!
Eh-eh Filosofia do Deus adormecido!
Eh-eh Política dos Sindicatos Trabalhistas!
Eh-eh Poética da Paixão Literária!
Eh-eh a indignação ao establishment!
Eh-eh as críticas ao governo!

Ó políticos berdamerdas! Proh pudor!
Sanguessugas do povo! Verborreias!
Ó montes de carne! Ó gorduras!
Bundas-redondas do Congresso Nacional!
Morrei, animais cruéis que sois!
Raios vos partam o lombo, brutos que sois!

Ah, o sangue sugado do povo,
Da gente miserável e oprimida,
E que nem assim se esquece de rir!
Ri porque não sabe dos conchavos de
gabinete,
Ah, a pena que tenho dessa gente...
E, ó dor, a raiva que tenho!
Ó asnos! Parvos! Ingênuos!
Bocós brasileiros!
Ó mulas de cargas, parai de pastar!
Ó bestas manobradas, escoiceai! Escoiceai!

Ih, viajar de Brasília a Beagá num jegue!
Só pra te ver!
Ó deliciosa aventura romântica!
E dizer num sussurro,
Fitando o fundo dos teus olhos,
Bem o fundo, onde escondes teus segredos,
E decifrá-los todos, um a um!
A brisa a roçar nossas faces,
A cidade a se espargir em luz, lá embaixo...
E dizer num murmúrio de lábios trementes
Do meu, ai, infinito amor!

Ai prazer, a mão entre tuas pernas!
E te sentir desfalecer, trêmula, arquejante...
Ai, meu sensualismo por tua libido!
Ai, meu erotismo por tua volúpia!
Ai, meu desejo por tua lascívia!
Ai, meu êxtase por tua luxúria!

Ah, a ausência do teu Corpo!
Ah, a saudade do teu Ser!
Ó Virtude! Graça Feminil! Ó Pureza!

E não obstante o desalento,
E porque escrevo e estou feliz,
Balanço a cabeça, decidido,
Como quem espanta pensamentos maus.
Inflo-me da Força Poderosa da Razão!
Sou Potente! Sou o Ânimo!
Ó Infanto, o movimento da Terra vai
parar?
Ó Juvena, acorda para um novo dia!

Sorry, my love, não te amo mais!
Sorry, my love, não te quero mais!

Eia! Não creias no que escrevo! Sou a
Blague!
Eia! Estes versos são um blefe!
Eia! Sou contraditório, incongruente!
Eia! Abaixo os que se esforçam por
coerência!
Eia! Viva a Poesia!
Eia! Viva o Amor!
Eia! Eia! Eia! Eia!

Ih-ih! Sou poeta às avessas!
Ih-ih! Rio da própria dor!
Ih-ih! Zombo de mim mesmo!
Alô, amigos que me conheceis bem!
Alô, eu mesmo!
Serei célebre como Baudelaire?
Genial como Pessoa?

Êi Mallarmé, Heinrich Heine, Rimbaud!
Êi Neruda, García Lorca, Vallejo!
Eh-lá Walt Whitman! T.S. Eliot!
Olá Mário de Andrade! Olá Drummond!
Eh-la-hô Adail Coelho Maia!
Reuni-vos para um bate-papo, ó
Inspirações!

E contaria dos teus olhos amarelecidos,
Do teu hálito fresco na madrugada,
Do teu amor de fêmea na intimidade.
E contaria ainda da imensa saudade
E do vácuo imenso em minha alma.
E ouviria vossas histórias
E me compadeceria das vossas dores
E me solidarizaria com vós, ó Irmandades!

Ah, a alegria de passear de automóvel!
Tu ao lado de cabelos molhados
A observar o burburinho da cidade...
Ah, o prazer de ir contigo ao bar!
Que cervejinha alimentícia! Eau-de-vie!
Ó vinhos, ó vodca, ó campari com gelo!
Ó cuba-libre, ó gim com tônica e limão!
Ó picanhas! Filés à parmegiana!
Ó moquecas de peixe ao molho de
camarão!
Ai, prazer de vos comer! Mas comer
contigo!
Ai, prazer de vos beber! Mas beber contigo!

Ah, a alegria de ir contigo de mãos dadas
Às galerias do centro da cidade!
Sentar a uma mesa de bar!
Olhar, sem ser notado,
O rosto da gente mineira
Que passa por nós, homens e mulheres,
Altivos e belos nos seus trajes de inverno.

Ah, o meu amor por essa gente!
Meus amigos Grazinolis!
E todos que vi, num relance,
Atravessando ruas e avenidas;
Circulando nas calçadas, nas praças,
Ou tomando o ônibus para o Bandeirantes!
A todos vós declaro o meu amor.

Ó Juiz de Fora, Rua Halfeld, Alto dos Passos!
Curva do Paraibuna no bairro de Lourdes!
Paisagem da Rio Branco na Garganta do
Dilermano!
Ó Pedro Nava! Ó Murilo Mendes!
Ó poetas juiz-foranos, cantores de Minas!
Abram alas, abram alas,
Chega mais um para cantar essa terra!

Olá Amor, guarda-te em Juiz de Fora!
Olá Amor, preserva-te em Juiz de Fora!
Olá Amor, amo teu corpo em Juiz de Fora!
Olá Amor, amo teu coração em Juiz de
Fora!
Ó Penélope dos tempos modernos!
Ó tempo! Ó paciência!
Ó presente inconsistente! Ó futuro!

Eh-lá Amor, abre os olhos à Poesia!
Eh-lá Amor, liberta o coração à Vida!
Eh-la-hô Olho Amarelo, olha! Olha! Olha!
A poesia te protege como uma auréola!
Ela deitou no teu leito,
Ela te afagou os cabelos,
Ela te acariciou a face rubra,
Ela te quis muito,
E tu, ó Crisálida de Pedra, férrea, gélida,
Fechada a sete chaves, nada sentiste

Alô, a poesia te ama!
Alô, a poesia te admira!
Alô, a poesia te curte!
Ó Venda nos Olhos!
Ó Tarja Negra nos Olhos!
Ó Muro! Muro, muro, muro!

A poesia não te comove!
O que posso fazer?
Ela é a minha riqueza!
Dádiva da Natureza a mim ofertada!
Ah, velha companheira poesia...
Meu amor! Minha terapia! Minha catarse!
Ó válvula de escape!
Ó ponto de apoio!

Ah, a condição de poeta...
Irrisória, depreciada, que raiva!
Poderia ser capitalista!
E encheria burras de dinheiro alheio!
E compraria o que me desse na cabeça
oca!
Viajaria hoje a Cingapura,
Amanhã estaria em Liverpool...
Poderia ser político!
E teria uma corte de bajuladores!
Seria elogiado pelas mentiras que soltasse
na TV!
E nas ruas os idiotas me apontariam
Como o Grande Defensor da Democracia!

Eh-la-hô, poderia ser um puxa-saco!
Eh-la-hô, um pau-mandado!
Eh-la-hô, um escroque!
Eh-la-hô, um esnobe de televisão!
Eh-la-hô, um socialite de coluna social!
Eh-la-hô, poderia ser tudo isso!
Eh-la-hô, eh-la-hô! E muito mais!
Eh-la-hô, eh-la-hô! E seria reconhecido!
Eh-la-hô, eh-la-hô! E seria valorizado!
Eh-la-hô, eh-la-hô, eh-la-hô!

Poderia ser tudo isso! E não ser poeta!
Porque a vida a despeito de ser bela,
E o sol nascer lindo a cada manhã,
E haver em mim a imagem dos teus olhos
E dos teus seios na minha boca,
Porque a despeito de ser bela,
A vida é muito mais comércio!

Eia! Nego a condição de poeta!
Eia! Amo a arte de fazer versos!
Eia! Sou contraditório, incongruente!
Eia! Abaixo os que se esforçam por
coerência!
Eia! Abaixo as cédulas que destroem a
vida!
Eia! Viva a Poesia!
Eia! Viva a Vida!
Eia! Eia! Eia! Eia! Eia!

Ah, o ato de fazer poemas...
Que absurdo! Que nonsense!
Mas dá um prazer!
Oh, o poema sem mistificação!
Oh, o poema sem sortilégios!
O poema, por mais belo que seja,
É um registro incompleto da poesia,
Porque a poesia é a vida!
O ar, o mar, as árvores...
A carreira de um bicho no mato,
Um muro desbotado pela chuva,
Um frasco de perfume na mesa do quarto,
A matemática confusa dos compêndios!
A poesia, meu anjo, é a vida!
“Com tudo que ela tem de sórdido e de
sublime!”

Ó poesia dolorosa do amor desvanecido!
Ó poesia do desprezo alvorecido!
Ó escárnio! Ó desdém!
Ó lábios mortais como punhais afiados:
Sai! Ruuuaa! Fooora! Fuuuuu!
Ó silêncio de susceptibilidades feridas!
Ó silêncio de coração partido!
Ó estilhaçado! Ó dilacerado!
Ó dolorido! Ó angustiado!

Pardon, mon amour, je ne t’aime plus!
Pardon, mon amour, je ne te veux plus!

Acomodo-me no meteoro de aço.
Da janela te vejo partir:
Tu caminhas pela alameda,
Os cabelos loiros esvoaçando
Entre as colunatas da Estação.

Varo o espaço, letárgico, abstraído.
Passo árvores, casas à beira do caminho,
Pontes sobre riachos, precipícios,
Luzes, longe, piscando na escuridão...
Viajo entre nuvens!
Vislumbro lá no fundo, em sonho,
Pequenos lenços brancos se agitando,
Voando, voando, num adeus...

Adeus Marcel, adeus Narinha!
Filhos da imaginação!
“A vida que poderia ter sido e que não
foi”.
Adeus, adeus, filhos do Sonho!
Eu vos sonhei um dia! Eu vos quis um dia!

E não obstante adeuses e partidas,
E porque amanhece, estou feliz e escrevo,
Balanço a cabeça, decidido,
Como quem restabelece forças.
Mas, felicidades à parte
E à parte prazeres da escrita,
Acho-me cansado,
A cabeça pesando da noite indormida.

Vou à varanda,
Espalho o olhar sobre a paisagem:
A Barão de Gurgueia sob a luz da manhã
É de uma beleza silenciosa e retilínea!
Os morros, além do Parnaíba,
Delineiam-se em formas onduladas.

A manhã surge num frescor de aromas.
E a manhã, ó luz, é um convite à Vida!
Ó Vida pra viver e sonhar!
Ó Vida pra viver e cantar!
Ó Vida pra viver e amar!

Meu coração, como uma flor,
Se abre para o dia que nasce...

Gilvanni de Amorim - é um poeta e escritor. É autor dos livros Relatos da Aldeia (prosa) e Ode ao amor desvanecido (poesia) 

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