O Sermão de Santo António aos Peixes é uma das obras mais conhecidas do Padre António
Vieira. O Sermão foi pregado em S. Luís do Maranhão, no Brasil, no dia 13 de
Junho de 1654 — na sequência dos litígios que surgiram entre os colonos
brasileiros e os Jesuítas, que contestavam a escravidão dos povos indígenas.
Vós,
diz Cristo, Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e
chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito
do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a
nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a
causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa
salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira
doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes, sendo verdadeira
a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os
pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar,
e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem. Ou é
porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou
porque aterra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo,
servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal! Suposto, pois, que
ou o sal não salgue ou a terra se não deixe salgar; que será e fazer a este sal
e que se há e fazer a esta terra? O que se há e fazer ao sal que não salga,
Cristo o disse logo: Quod si sal evanuerit, in quo salietur? Ad nihilum
valetultra, nisi ut mittatur foras et conculcetur ab hominibus. «Se o sal
perder a substânciae a virtude, e o pregador faltar à doutrina e ao exemplo, o
que se lhe há e fazer, é lançá-lo fora como inútil para que seja pisado de todos.
» Quem se atrevera a dizer tal cousa, se o mesmo Cristo a não pronunciara?
Assim como não há quem seja mais digno de reverência e de ser posto sobre a
cabeça que o pregador que ensina e faz o que deve, assim é merecedor de todo o
desprezo e de ser metido debaixo dos pés, o que com a palavra ou com a vida
prega o contrário. Isto é o que se deve fazer ao sal que não salga. E à terra
que se não deixa salgar, que se lhe há de fazer? Este ponto não resolveu
Cristo, Senhor nosso, no Evangelho; mas temos sobre ele a resolução do nosso
grande português Santo Antônio, que hoje celebramos, e a mais galharda e
gloriosa resolução que nenhum santo tomou. Pregava Santo Antônio em Itália na
cidade de Arimino, contra os hereges, que nela eram muitos; e como erros de
entendimento são dificultosos de arrancar, não só não fazia fruto o santo, mas
chegou o povo a se levantar contra ele e faltou pouco para que lhe não tirassem
a vida. Que faria neste caso o ânimo generoso do grande Antônio? Sacudiria o pó
dos sapatos, como Cristo aconselha em outro lugar? Mas Antônio com os pés
descalços não podia fazer esta protestação; e uns pés a que senão pegou nada da
terra não tinham que sacudir. Que faria logo? Retirar-se-ia? Calar-se-ia?
Dissimularia? Daria tempo ao tempo? Isso ensinaria porventura a prudência ou a
covardia humana; mas o zelo da glória divina, que ardia naquele peito,
não se rendeu a semelhantes partidos. Pois que fez? Mudou somente o púlpito e o
auditório, mas não desistiu da doutrina. Deixa as praças, vai-se às praias;
deixa a terra, vai-se ao mar, e começa a dizer a altas vozes: Já que me não querem
ouvir os homens, ouçam-me os peixes. Oh maravilhas do Altíssimo! Oh poderes do
que criou o mar e a terra! Começam a ferver as ondas, começam a concorrer os
peixes, os grandes, os maiores, os pequenos, e postos todos por sua ordem com as
cabeças de fora da água, Antônio pregava e eles ouviam. Se a Igreja quer que
preguemos de Santo Antônio sobre o Evangelho, dê-nos outro. Vos este sal terra e: É muito bom texto para
os outros santos doutores; mas para Santo Antônio vem-lhe muito curto. Os
outros santos doutores da Igreja foram sal da terra; Santo Antônio foi sal da
terra e foi sal do mar. Este é o assunto que eu
tinha para tomar hoje. Mas há muitos dias que tenho metido no pensamento que,
nas festas dos santos, é melhor pregar como eles, que pregar deles. Quanto mais
que o são da minha doutrina, qualquer que ele seja tem tido nesta terra uma fortuna
tão parecida à de Santo Antônio em Arimino, que é força segui-la em tudo. Muitas
vezes vos tenho pregado nesta igreja, e noutras, de manhã e de tarde, de dia e de
noite, sempre com doutrina muito clara, muito sólida, muito verdadeira, e a que
mais necessária e importante é a esta terra para emenda e reforma dos vícios
que a corrompem. O fruto que tenho colhido desta doutrina, e se a terra tem
tomado o sal, ou se tem tomado dele, vós o sabeis e eu por vós o sinto. Isto
suposto, quero hoje, à imitação de Santo Antônio, voltar-me da terra ao mar, e
já que os homens se não aproveitam, pregar aos peixes. O mar está tão perto que
bem me ouvirão. Os demais podem deixar o sermão, pois não é para eles. Maria,
quer dizer, Domina Maris:
«Senhora do mar»; e posto que o assunto seja tão desusado, espero que me não
falte com a costumada graça. Ave
Maria.
Uma forma diferente de conhecer a
história da fundação de São Luís do Maranhão é visitando o Museu de Arte Sacra
do Maranhão, instalado no andar superior do Palácio Arquiepiscopal, na Praça
Dom Pedro II, no Centro. A exposição está dividida em 13 salas e é
contextualizada com momentos importantes da história religiosa e política da
capital maranhense. A fundação da cidade teve a celebração de uma missa pelos
jesuítas.
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