sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

A poesia segundo Bandeira Tribuzi

 

I

 

O pequeno lugar predestinado:

cama – lençóis, colchão e travesseiro:

objetos banais pousados sobre

a armação de madeira para dois.

 

Pequeno apartamento de cidade!

Pequenos corpos e cansados despem-se,

despem roupas, sapatos, conveniências

à pequenina luz que afaga as coisas.

 

Estão nus, lado a lado, sobre o leito

e se entrelaçam para desafogo

de raivas, lutas, ilusões, sentidos.

 

Talvez não saibam por que assim se prendem,

Já cantam sino pelo novo filho!

 

II

Entre o campo de neve a vida fende-se

barbaramente, para dar passagem

à colheita que vem sem estações:

bicho da terra que se chama homem.

 

Nove meses guardado e construído

com silêncio, carne, sangue e esperança,

ei-lo que rasga o ovo e se apresenta

disforme, placentário, precioso.

 

Ela está como o campo após a ceifa.

De seus peitos já mana o claro líquido

onde a vida se côa como um filtro.

 

Olha o pequeno corpo que se deita

a seu lado, entre o sonho e a realidade,

e, brandamente, diz apenas: - Filho!

 

III

Infância triste, tempo de castigos

e doces ilusões mas sem brinquedo

que teus olhos encontram nas vitrines

e tua débil mão jamais alcança.

 

Porém o corpo vai rompendo elástico

pesar do tempo amargo em que floriste.

Teus olhos já se pousam sobre a vida

embora ignorando-lhe a inocência.

 

Assim, surgindo vens dos alimentos,

cuidados e remédios e o alicerce

da sapiência que são letra e número.

 

Assim te formas resumido corpo

que será de homem e continuará

brincando em nova trágica maneira.

 

IV

Resides entre o sonho e coisas ásperas,

a confusão do trágico e a rosa,

a escola, o emprego, o livro clandestino,

a refeição modesta, o sono limitado.

 

Teu corpo é apenas máquina de sexo

e coração: toda a razão de ser

está na amada, amada inconsistente:

olhos, cabelos, seios, agressivos

 

somente, mas tu a colocas lá

bem no centro do mundo e lhe declamas

baladas, vossos corpos se aproximam.

 

Entre comícios, agressões, revoltas,

pressa, atenção, estudo, devaneio,

estás defronte ao mundo e interrogas.

 

V

A resposta és tu mesmo: corpo de homem,

o sentimento e pensamento de homem,

passo seguro de homem, ombros de homem,

boca, face, palavra e gestos de homem.

 

O que sabes do mundo! Gestos mágicos

te multiplicam ao calor dos corpos.

Uma coragem funda, o olhar sábio,

avanças com o tempo e o constróis.

 

A noite existe – não a das carícias,

de sono leve, corpos repousando –

noite pesando sobre cada coisa.

 

Avanças bloqueado pela Noite

(há muitos, muitos corpos avançando)

e teus passos vão dar na madrugada.

 

VI

És fogo que se apaga lentamente.

Folhas que vão tombando despem a árvore.

Árvore a quem a seiva foi faltando,

tua missão se acaba e envelheces.

 

Teus olhos já cansados de aprender

formas, gestos e a grande cor do mundo.

Tua boca já cansada de alimentos,

de beijos, de palavras, de protesto.

 

Outros vêm substituir tua coragem

com novos braços para a mesma luta,

e passos fortes para o mesmo fim.

 

Tua hora vem chegando necessária.

O corpo se dissipa. Tua passagem

não terá vermes para devorá-la.

 

José Tribuzi Pinheiro Gomes (Bandeira Tribuzi), nascido em São Luís do Maranhão. Viveu e estudou em Portugal até 1946.

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