segunda-feira, 20 de junho de 2011

Os gaúchos só vêem o seu próprio umbigo e só bebem chimarrão


“O que os baianos e gaúchos tem em comum? A autosuficiência que os faz se sentirem o centro do universo” (Dom Severino)

 Por Milton Ribeiro

Colunista do Sul21, Marcelo Carneiro da Cunha é jornalista formado UFRGS e, como escritor, já publicou 16 livros, tendo recebido diversos prêmios, entre eles o da Associação Paulista de Críticos de Artes e o da Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil, por Antes que o mundo acabe. Escreveu o roteiro do filme Batalha naval e o argumento de O branco — premiado nos festivais de cinema de Berlim, Rio de Janeiro, Biarritz e outros. O filme Antes que o Mundo Acabe, baseado em um livro seu, foi escolhido o Melhor Filme de 2010, pela APCA. Em 2000, foi escritor-residente da Fundação Ledig House, de Nova York. Em 2004, lançou o romance O nosso juiz, primeiro livro pela editora Record, do Rio de Janeiro. São Paulo, Marcelo é colunista do site Terra e do Sul21, onde costuma provocar polêmica por suas opiniões nada rotineiras. Nesta entrevista, ele faz apanhado do que costuma escrever sobre o Rio Grande do Sul e a esquerda em suas colunas.

Sul21: Um dos temas que tu mais abordas em tua coluna no Sul21 é o fato do Rio Grande do Sul permanecer insular e orgulhoso de si e de seu passado, de forma inamovível. Esse negócio da gente ser chimango ou maragato, Grêmio ou Inter, PT ou PMDB, serra ou praia, quente ou frio, isso apenas serve para que fiquemos paralisados uns na frente dos outros?
MCC: O Rio Grande do Sul tem um discurso predominantemente de negação dos grandes eixos do século XXI, que são a diversidade, a multiplicidade, o multiculturalismo – e o multiculturalismo não tem nada a ver com biculturalismo. O Estado está estático, embevecido com o que pensa ser sua história. Há uma onda de gaúchos altamente qualificados morando em São Paulo. Esse pessoal, em pleno auge da vida adulta, deixa de produzir e colaborar aqui, indo colaborar e produzir e enriquecer em São Paulo por vários motivos. São Paulo representa um atrativo para as melhores mentes. Quem sai ganhando com isso?

Sul21: O outro lugar…
 MCC: Exatamente. E o que aquele lugar tem de inteligente? Aquele lugar sabe receber a todos igualmente, sabe receber e intuitivamente reconhece o ganho que absorve. Eu nunca vivi na minha vida em um lugar que desse tão pouca importância para a tua origem como São Paulo. É impressionante – a tua identidade, teu sotaque, tudo é levado numa boa. Ninguém dá a menor importância porque sentem que é um enriquecimento. A nossa atitude em relação a isso não é a mesma: eu conheço pessoas que vieram pra cá e foram extremamente mal tratadas, foram marginalizadas por serem cariocas, paulistas, paranaenses, baianos, como se isso fosse uma coisa má. Somos uma sociedade feita de imigração assim como o restante do Brasil, ora. Tal atitude não é lógica.

Sul21: Esse preconceito começa em algum momento específico de nossa história?
MCC: Provavelmente foi-se formando lentamente. O fato é que o RS só existe porque em algum momento de sua historia ele soube se beneficiar da riqueza da diversidade. Como é que agora ele desliga isso e passa a cultivar a burrice mono ou bicultural? Sabe, isso é suicida, tem que ser revertido. Temos áreas em que as pessoas nem se dão conta, mas que são diferentes. No futebol por exemplo, Grêmio e Inter vivem de jogadores locais? Não, quase todo mundo é recém chegado.

Sul21: A mídia gaúcha é bem retratada no site O Bairrista?
MCC: Claro! E o pessoal não se dá conta de como o resto do Brasil nos vê e separa o que temos de bom e diferente aqui, tirando sarro do resto. Essa necessidade de afirmação do gaúcho, desta coisa bairrista do gaúcho, eles tiram sarro porque é engraçado e ridículo. Agora, a parte legal eles respeitam pois temos toda uma história política, eles respeitam o fato de que a gente ainda tem uma prática política diferenciada, uma prática cultural diferenciada. Por exemplo, agora mesmo um amigo nosso, o ótimo escritor Michel Laub, que mora em SP, lançou um livro que foi muito bem recebido, O Diário da Queda. Na Folha de São Paulo eles falam assim: “mais um dos muitos escritores gaúchos”; ou seja, os caras se dão conta de que há alguma coisa aqui que produz essa quantidade desproporcional de bons escritores em relação ao resto da população. Eles respeitam nosso padrão educacional, que ainda é uma coisa diferenciada. Também gostam dessa coisa afirmativa da gente. A gente sempre deixa claro o que pensa. O Brasil todo é muito cordial, as pessoas não falam o que estão pensando. Aqui é menos importante ser cordial e mais importante ser incisivo. Essa é uma virtude nossa. Eles claramente percebem o que é legal e o que é tolo. A gente devia fazer a mesma coisa…



"Verissimo mostra-se urbano e localiza-se a maior parte do tempo num local indistinguível; ele parece estar em lugar nenhum, não é nada bairrista" | Foto: Blog Pragmatismo Político

Sul21: O Michel Laub fala muito de Porto Alegre. Seus livros não se desprendem do RS. A literatura gaúcha é autorreferencial?
MCC: Não. Ela era autorreferencial. Acho que o Luís Fernando Verissimo criou uma divisão. Ele foi genial ao deixar de lado o romance épico de seu pai. Ele mostra-se urbano e localiza-se a maior parte do tempo num local indistinguível; ele parece estar em lugar nenhum, não é nada bairrista. Não, o texto do Veríssimo não é local e seus temas não são laudatórios ao gaúcho. No Analista de Bagé, ele tirava um sarro daquela coisa exagerada e aquilo funcionava pra caramba. Então o pessoal tem que se dar conta que ele dialoga com o todo, mesmo que parta de coisas locais. Esse cara mudou o que se fazia no RS. Depois dele vieram o Caio Fernando Abreu, o Noll, a Cíntia Moscovitch.

Sul21: O Noll não tem uma linguagem especificamente gaúcha, mas está indo sempre pro sul. Seus romances quase sempre fazem alguém ir para o sul pela praia. É sempre o Sul, o Sul!
MCC: O Sul21? (risadas) Nesse sentido ele é meio Borges, né? Temos outros bons escritores, temos a Adriana Lunardi morando no RJ, a Claudia Tajes, aqui de Porto Alegre, que é excelente humorista. Mesmo o Jorge Furtado, a casa de cinema, tem um sotaque, mas ela não usa temas fechados, locais, seus temas são universais.


"Assis Brasil é único por ser um grande romancista no sentido clássico. É nosso Thomas Mann"

Sul21: E o Assis Brasil?
MCC: Sim, há o Assis Brasil que é único por ser um grande romancista no sentido clássico. É nosso Thomas Mann. O Scliar representava uma voz judaica, tinha um sentimento de mundo do que representava o mundo judaico no Brasil… Também era um cara único. Mas claro que a nossa relação de gostar ou não de um ou outro autor é bastante subjetiva.

Sul21: Permanecendo na questão de ser gaúcho, Dyonélio Machado é um escritor que entra nos vestibulares do centro do país e não aqui. Aqui, temos o Cyro Martins, cuja Trilogia do Gáucho a Pé é quase incompreensível para quem é de fora do RS.
MCC: Sim, é estranho. Mas gostaria de falar de outro grande escritor de belíssima literatura que para o Brasil entender teria que ser traduzido, facilitado um pouco: Simões Lopes Neto. Na língua original, é difícil… mesmo o gaúcho urbano, contemporâneo, tem dificuldades de entender, mas seus trabalhos são belíssimos. O Cyro, que veio muito depois, já me parece anacrônico mesmo para sua época. Na geração dos anos 30 e 40 havia muitos comunistas e o Erico sofria por não sê-lo. Em razão disto, a crítica não lhe dava o merecido valor. Era outra geração, com lobbys próprios… Nossa geração foi muito bem descrita pelo Fischer, somos a   a geração do apartamento alugado. Eu, o Fischer e  todo mundo alugou apartamento, não era dono de estância, não era ligado ao poder, à macroestrutura. O Fischer tem umas descrições maravilhosas da literatura feita no RS. Primeiro ele diz qua há “muita literatura mediana”, e é este mesmo o caso. Somos muito medianos no RS, nossa vida é mais mediana que a do resto do Brasil que, digamos, tem maior potencial dramático.

Sul21: Às vezes escapamos para uma coisa muito dramática e íntima como aquela novela do Assis Brasil, “O Homem Amoroso”, que é totalmente pessoal, raivosa.
MCC: É fora da obra dele, é atípico. Uma novelinha muito boa, boníssima.

Sul21: Para finalizar nossas especificidades gauchescas: e o Kiefer?
MCC: Eu não sei, eu não acompanhei os últimos tempos do Charles. O trabalho que eu mais curtia eram novelas como “O Pêndulo do Relógio” que era um agricultor que acaba se enforcando, um típico agricultor germânico que vem pro RS, da segunda geração. Um cara que tem necessidade de sair do campo já tentando fazer outra coisa e tal, em meio àquela a vida árida. Ali há algo universal.


"A dureza que Charles Kiefer descreve é interessantíssima, compatível com o que fez Érico numa época. É a memória"

Sul21: São representações que servem ao universal, sem dúvida. Campo e pobreza deve ter sido a vida dos ascendentes do Charles Kiefer.
MCC: É legal analisar o que cada um representa. O Rio Grande do Sul é várias coisas, claro. Eu sou de Porto Alegre, mas meu pai era juiz, então eu morei em São Francisco de Paula – da qual eu lembro muito pouco – , e depois em Caxias do Sul até os 13 anos. Foi muito formativo, a serra gaucha foi muito importante para mim, a minha visão de mundo é muito definida pela serra porque lá as pessoas eram muito iguais. Na minha infância, em Caxias, o filho do juiz e o filho do operário moravam na mesma rua em casas muito parecidas. Aquela é uma região mais igualitária que o resto do Brasil. Depois meu pai nos levou para a Bahia. Eu nunca tinha visto uma casa de pau a pique e açougue com carne pendurada ao sol. Aquilo foi um choque que a serra nunca ia me trazer, a serra gaúcha é um lugar cheio de subidas e descidas, mas é muito horizontal socialmente e aquilo foi muito importante para mim. E Porto Alegre é um lugar que representa a totalidade do estado que se reúne. Tem um ambiente de cidade grande com muitas pessoas do interior. O Charles representa a região da imigração alemã, um pequeno centro cultural ainda pobre mas louco para bombar. Eu fui a um evento ali perto, em Horizontina e Ijuí e, porra, duas mil pessoas num encontro de literatura… O universo que o Charles retrata está em transformação violenta, a do pequeno agricultor sofrido cujo filho vai se mandar pra cidade e cujo neto vai chegar à faculdade, que é a trajetória do imigrante alemão no Brasil. Acho aquela dureza que ele descreve interessantíssima, compatível com o que fez Érico numa época, e ele é aquilo, ele representa aquilo, ele não deixa de ser aquilo. É a memória.

Sul21: Talvez a dureza dele se identifique com a dureza do pessoal de esquerda, porque o Charles é um cara de esquerda.
MCC: Pois é. De novo. Como eu disse, as trajetórias das pessoas, de onde elas vem e para onde vão. O Charles tem uma gana distinta de um cara de classe média que cresceu aqui e que nunca teve que lutar por porra nenhuma. Há pessoas com um processo similar como o Paulo Betancur, o Juremir, que são caras com histórias similares à do Charles, essa trajetória que o RS permite. Acontece no Brasil também. O cara que criou a Rascunho tinha o pai motorista de ônibus. Essas pessoas que tiveram passagens tão duras não vão deixar de ser aquilo nunca, e talvez esse sentimento se traduza numa posição política mais solidária do que aquela de gente que nunca precisou lidar com nada disso e que pensa que pode se permitir ser mais egoísta.

Sul21: O Rogério Pereira, da Rascunho, de Curitiba, é um grande herói de nossa cultura mantendo aquele jornal maravilhoso.
MCC: A Rascunho é muito mais eclética do que qualquer outro veículo. Tudo é publicável se tiver bom nível. Bem, então talvez a palavra que melhor defina o Charles seja o rigor, um tipo de rigor que o Michel Laub também tem, um rigor-eixo com aquela coisa de analisar tudo com consciência e pragmatismo. O fato é que juntando esses caras, a gente terá um caleidoscópio muito representativo do que é a nossa sociedade. Parte desse universo dialoga muito bem com o que é predominante no Brasil e parte não; parte só vai ser compreendido localmente. Há uma camada da nossa produção artística que é naturalmente mais cosmopolita, mais universal e tem um pessoal que é mais local. O problema é quando isso se torna chauvinista, xenófobo.

Sul21: Nossos veículos são xenófobos?
MCC: Eu acho difícil dizer… A Zero Hora se desloca sempre próximo daquilo que ela percebe como interessante em termos de mercado. Acho que ela está fazendo a leitura do que a sociedade gaúcha quer e navega na onda. Eles fizeram um movimento há uns 15 anos trazendo o Augusto Nunes, aquilo era um movimento completamente diverso do de agora, era um esforço pra dialogar e competir com o mundo lá fora, talvez não tenha valido a pena, talvez o povo não tenha querido, talvez eles não queiram uma coisa Folha de São Paulo.

Sul21: Quer ser um veiculo local, com sotaque local, falando de gente daqui?

MCC: Sim , mas eu acho que isso não é o nosso único destino. Acho que a gente não está condenado a isso. Se tu considerares, por exemplo, a estrutura universitária de Porto Alegre comparada com outras capitais. Curitiba tem uma miríade de pequenas escolas, é só a federal do Paraná que é grande, talvez a PUC, mas não muito grande, depois tem um monte dessas faculdadezinhas comerciais. Aqui nós temos quatro escolas de grande porte na região metropolitana. Esse lugar aqui tinha que ser um centro de pensamento, um centro de tecnologia, tinha que ser um centro de produção cultural de ponta, de pesquisa de ponta, um celeiro do pensamento e da inteligência em âmbito Brasil, e não somente um celeiro de soja, arroz e assemelhados, o que é ótimo ser, mas a gente está deixando de ser um outro tipo de celeiro que lida com matéria prima também importante. A gente mudou de vocação, sempre abrimos grandes empresas, sempre fomos influenciadores e tivemos papéis de protagonismo. Hoje, somos periféricos. Um dos temas que mais me incomoda é que o pessoal fique puto comigo que quando falo mal da Venezuela. O pessoal do meu partido, o PT, fica puto. Na minha opinião, a esquerda vem do humanismo, a esquerda é a ideologia do homem; quando uma coisa é a favor de gente é esquerda, quando é contra é direita, em resumo. O Chávez é direita, Cuba é direita, não interessa que nome tu dás ou que aparentemente seja uma revolução… Não é, não é democrático, democrático é ser esquerda.


"Eles vão perdendo petróleo, perdendo o processo de industrialização, ficam vendo uma experiência legal acontecer no Brasil, mas a gente tem que falar bem do Chávez. Por quê?"

Sul21: Tu criaste grande confusão falando sobre o mau gosto venezuelano.
MCC: Mas não é só isso. O pior do autoritarismo é a burocracia, todo o sistema autoritário produz uma enorme e poderosa burocracia acéfala que não responde a nada nem a ninguém. É ela quem comanda, e a vida fica insuportável, a vida do ser humano é insuportável num estado burocrático. Eu conheci isso na prática no Leste Europeu quando eu fui pra lá em 81. O leste europeu era muito pior, profundamente pior, talvez seja algo mais perto da Cuba hoje, onde o sistema econômico é profundamente disfuncional, o político é extremamente autoritário e a vida é burocratizada. Isso é o pior que o leste europeu representava, com a desvantagem de o clima ser uma merda e as pessoas serem horríveis. A Venezuela se beneficia de ter um clima maravilhoso, da riqueza do petróleo. Não é um país dominado de forma completa pela burocracia, não é um país com a mesma ausência de liberdade do sistema autoritário de ultradireita do ex-leste europeu. Mas ele se desloca nesse sentido, esse é que é o problema. As ações principais do Chávez são todas nessa direção. Quando, numa eleição, o cara perde uma regional e tira poderes daquela administração para continuar mandando? O que é isso? É desrespeitar profundamente a eleição! Os militares faziam isso no Brasil; cada vez que eles perdiam algo, mudavam a regra. Eu vivi isso, tu também. Eu estava na Venezuela pela primeira vez, fui dar um curso de criação ficcional partindo do zero. Não sabia nada da Venezuela, desembarquei na porra do aeroporto e havia lá uma imensa parede com uma foto do Chávez com um treco de telemarketing na orelha e uma antena de satélite ao fundo, dizendo assim: “A Venezuela se liberou e se liberou para sempre”. OK, mas de quem? De ti não se liberou, né Chávez? Então, era uma foto bagaceira, uma impressão de última qualidade numa imensa parede na imigração e fiquei pensando “O que é isso?. Esse regime tem que ser muito burro pra acreditar nessa comunicação. No Brasil jamais tu vês algo assim, jamais… nosso estágio institucional não permite algo desse tipo. As pessoas dariam risadas.

Sul21: Hugo Chávez não têm méritos?
MCC: O Chávez pegou um país em péssima situação, de uma elite fodida que só queria saber de Miami. Agora, se não há emprego, o governo vende petróleo e distribui pão e o pessoal não morre de fome mas e aí? A Venezuela não se industrializa, não investe em tecnologia, na criação de uma economia forte. Quando o consumo é estimulado é para comprar bens importados. Quem, ao final de contas, é beneficiado por Chávez?  Tu vais numa favela venezuelana dez anos depois do Chávez o que tu vês? Eu falei com favelados, eu falei com  proletários e com pró e anti Chávez e mudei minha atitude diplomática: “Nós, brasileiros, não temos condições de avaliar, estamos vendo um processo interessantíssimo”, porque eles só queriam saber de Lula, Lula, Lula. Queriam que o deus Lula os ajudassem. Daí, um senhor muito respeitável que estava no meu curso, um cara de classe média, ético, digno, de posições humanistas e coisa e tal me perguntou “O que o senhor achou da Venezuela?” e eu respondi “É interessante politicamente”. Então ele me replicou “Não, senhor, para nós é uma tragédia”. Eu tinha que estar do lado dele, não defendendo um discurso imbecil. E fui lá com o politicamente correto debaixo do braço. Quando eu voltei, escrevi sobre só um pouquinho do que vi e já queriam me matar. Eles vão perdendo petróleo, perdendo o processo de industrialização, ficam vendo uma experiência legal acontecer no Brasil, mas a gente tem que falar bem do Chávez. Por quê?


"Havia uma sensação de que aquelas antigas respostas não tinham funcionado, que era necessário algo novo, daí surgiu o PT"

Sul21: A tua coluna sobre a Venezuela gerou recordes de rejeição.
MCC: Essa visão me surpreende. Quando eu publico no Sul21, noto que muitas pessoas não estão lendo pra se informar de nada, mas apenas para reforçar suas certezas. Por que a Veja dá certo? Porque ela justifica cada preconceito da classe média. O cara pensa “olha como eu estou certo”.

Sul21: Ela avaliza opiniões.
MCC: Pior, avaliza preconceitos. Tudo bem, mas fico indignado pela esquerda fazer o mesmo jogo. A gente tem que achar que Cuba e Venezuela são paraísos?

Sul21: Não haveria certo conforto na simplicidade, no maniqueísmo, na falta de complexidade?
MCC: Sim. Eu gosto e quero discutir a esquerda, porque pra mim a esquerda é o que faço, é onde encontro espaço e um monte de coisas das quais posso até discordar, mas onde vou debater e quebrar pau sem morrer. Acho difícil um de nós estar absolutamente certo e burro pretender isso. Esse tipo de hegemonia só funciona com um certo totalitarismo. É necessário refletir e dar espaço à complexidade, como tu disseste.

Sul21: E o PT?
MCC: O PT me atraiu quando eu voltei da Alemanha em 82. Vi de cara que o partido seria uma ideia vencedora, porque eu sou um cara de mercado também, porque aquela marca era muito boa e o produto era muito bom. Por que digo isso? Porque ele podia ser uma nova esquerda sem o ranço da outra, com o aprendizado das falhas da anterior. Havia uma sensação de que aquelas antigas respostas não tinham funcionado, que era necessário algo novo, daí surgiu o PT… “Opa, isso é uma nova coisa, de origem popular e trabalhadora”. Qual é a ideologia? De esquerda. Ponto. Vai combater o capitalismo? Não.


"Nós não podemos nos satisfazer, pois há que buscar coisas novas, o que não quer dizer botar fogo no passado, quer dizer processar muito bem o que se fez até agora e olhar o futuro" | Fabiana Klein/Divulgação

Sul21: E o marxismo, onde fica?
MCC: Em lugar nenhum. Aquela história dialética não funcionou, meu caro, o proletariado não era a raça eleita, o desejo do Marx nunca se comprovou na prática. A burguesia foi se reinventando durante todo este ínterim e um partido como o PT foi definitivamente a coisa certa na hora certa. Como eu falei que SP atrai bons cérebros, o PT atraiu grandes cérebros, grandes chatos também (risos).

Sul21: O PT se consolidou como uma frente multifacetada? Ele surgiu sob a égide da negociação?
MCC: Sim, surgiu entendendo que a sociedade contemporânea é complexa por natureza, que não há como impor hegemonias. Essa é a grande sacada do PT. Então, hoje, eu, nas várias frente de atuação que possuo, falo basicamente isso: a gente vive numa época que nunca houve antes, um pós anos 80, pós-industrial, não dá para enfrentar esta época com aqueles conceitos antigos, não há como. Nós não podemos nos satisfazer, pois há que buscar coisas novas, o que não quer dizer botar fogo no passado, quer dizer processar muito bem o que se fez até agora e olhar o futuro. Não posso abordar a realidade atual com meu arsenal, meu ferramental, testado e desaprovado dos anos 30 e 40. Basicamente é isso. Acho que minha coluna expressa muito isso, ela essencialmente fala sobre isso o tempo inteiro, qual é a lógica de vir com esse ou aquele velho argumento quando ele não funciona. (transcrito do Sul21)

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