Eu tenho afirmado ao longo da minha vida que nasci com uma total
incapacidade de ter ódio e que rejeito a execrável teoria do Lenine de que
devemos inverter na política o enunciado
de Clausewitz de que “a guerra é a continuação da política por outros meios”.
Segundo essa tese, o adversário teria que ser tratado como inimigo, a
quem não se deve apenas vencer, mas destruir, matar, aniquilar. Não se estaria mais na disputa das ideias e
sim em um campo de batalha.
Para isso Lenine defendia o
método da Revolução Francesa, da guilhotina na Praça da Concórdia, em
Paris, e dizia ser o Terror necessário na disputa política. Ele o usou na
Revolução Russa, e o resultado foram os milhões de mortos do comunismo.
Sempre fui coerente ao considerar a democracia
o campo do debate, da disputa pessoal e política. Nunca deixei de
praticar o diálogo, de respeitar os meus adversários — e quantos tive e tenho!
— e nunca persegui ninguém, nem erigi estátuas à Deusa da Vingança, Adrasteia.
Outra coisa que nunca me corroeu a alma foi o
ressentimento. Quantas e quantas vezes tenho repetido isso. O ressentimento e a inveja
só fazem mal a quem os pratica. Corrói e angustia.
Por outro lado, não tenho motivo para tê-los. Deus me deu um destino de graças. Levou-me da Pinheiro, onde
nasci, e de São Bento, onde passei a infância, por um caminho de estrelas, que
colocou em minhas mãos. Fez-me
Vice-Presidente e Presidente da República, Governador do meu
Estado, três vezes Deputado Federal, cinco vezes Senador da República, o que
mais tempo passou na Casa, 39 anos, seguido por Antônio Azeredo, 34, e Rui
Barbosa, 32. Sou Doutor Honoris Causa pelas universidades de Coimbra,
Pequim, Moscou e Federal do Maranhão, minha terra amada. Membro da Academia
Brasileira de Letras (atualmente seu decano) e da Academia de Ciências de
Lisboa, onde foi Secretário Perpétuo José Bonifácio. Escrevi 121 livros, alguns traduzidos em 12 línguas, em 169 edições.
Fui publicado na mais importante coleção de literatura do mundo, a Folio, com
4.800 títulos, editada pela Gallimard. Entre 40 condecorações, tenho a maior do
Brasil, a Medalha do Mérito Nacional,
e a mais conhecida no mundo, criada por Napoleão, a Legião de Honra da França, no mais
alto grau, Grã-Cruz.
Graças a esse meu jeito de ser, qualidades que Deus me deu, conquistei
essa vida. Posso dizer, como Lincoln, que nunca cravei por meu desejo espinho
algum no peito de ninguém. Napoleão dizia que “a política é destino, a
literatura, vocação”. Dividi-me entre as duas.
Jamais posso me desinteressar da situação nacional e maranhense. Estou
escrevendo um livro sobre nossa conjuntura, “O Brasil no seu Labirinto”.
O Maranhão e seu povo estão em primeiro lugar, e é bom que tenhamos uma
política respeitosa, civilizada e democrática. Texto original publicado no site de José Sarney.
José Sarney
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