quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Krugman: “A longo prazo todos falaremos mandarim”

Entrevista com Paul Krugman - um fervoroso adepto das ideias de Lord Keynes, o famoso economista britânico que defendia a intervenção do Estado na economia através de instrumentos de política monetária (aumentando a quantidade de moeda em circulação e reduzindo as taxas de juro) e orçamental (mais gastos públicos e menos impostos) em períodos de crise como a actual.

Krugman está particularmente irritado com as políticas restritivas, seguidas em sentido contrário, pela União Europeia. “O mundo não precisa de menos, mas, sim, de mais programas de estímulo à economia. A política de estabilidade alemã é o caminho errado”, advertiu. “Só quando a armadilha da depressão estiver afastada é que os governos devem ocupar-se dos défices.”

Na popular coluna de opinião que assina no The New York Times, Krugman afirma estar contra a eventual eleição de Axel Weber, governador do Bundesbank, para liderar o Banco Central Europeu (BCE) quando Trichet se retirar em 2011. O economista americano apelida o conservador Weber de “falcão monetário” e sublinha que “não é a pessoa adequada para o cargo, porque se preocupa com uma inflação que nem sequer existe”. No seminário realizado em Luanda disse, meio a sério, meio a brincar, que o próximo governador do BCE deveria ser um americano. E até levou a brincadeira mais longe dizendo que deveria ser um professor de Princeton — como Ben Bernanke, governador da Reserva Federal americana, ou o próprio Krugman.
Apesar do sentido de humor auto-elogioso, Krugman surpreendeu os presentes pela humildade e aversão ao protocolo. “Só agora reparo que estou a usar a mesma gravata que está no cartaz”, confessou bem-disposto, antes de iniciar a entrevista à EXAME. Dando mostras de uma energia inesgotável (sobretudo para quem chegou no voo das 5 da manhã e poucas horas depois estava a animar uma conferência), Krugman colocou em perspectiva o crescimento actual da China (“ainda está a lutar com o Japão pelo posto de segunda maior economia do mundo”) e aconselhou Angola a utilizar o dinheiro do petróleo para diversificar a economia e aumentar os benefícios sociais.

O professor é conhecido como o último dos keynesianos, devido à veemência com que sempre defendeu as teorias de John Keynes. Crê que o keynesianismo ainda é a receita adequada para se criar uma economia forte?
A lógica que está por trás da teoria keynesiana continua válida. Hoje, não há procura interna suficiente nos países mais desenvolvidos e a politica monetária já chegou a um ponto limite. Logo, esta é uma boa altura para o Estado investir. As medidas de austeridade devem vir depois, não agora. Estou muito preocupado com a pressão dos europeus no sentido contrário. O Banco Central dos Estados Unidos tem sido muito menos conservador do que os europeus no apoio à economia. O governo de Obama ainda não entrou na fase da austeridade, mas os estímulos à economia já terminaram. Isto é perigoso. O risco que corremos é o de entrarmos numa fase de depressão prolongada semelhante à dos Estados Unidos em 1937, ou do Japão em 1997. Austeridade fiscal prematura, como pretendem fazer os europeus, é algo preocupante.

Porém, muitos economistas argumentam que o mundo está nesta situação porque os governos gastaram de mais...
Não entendo essa lógica. Não vejo qualquer ligação entre o défice do Estado e a crise financeira iniciada em 2008. Os Estados Unidos não tiveram um défice assim tão grande em 2007. O que 
podemos dizer é que se os Estados não se tivessem endividado
tanto nos últimos anos, agora teriam mais dinheiro para estimular a economia. A Espanha até tinha uma boa disciplina orçamental. Foi o endividamento privado, não o público, que deu origem à crise.

No caso dos Estados Unidos, será que a factura da guerra 
do Iraque também ajudou ao desequilíbrio orçamental?
Como sabe, eu critiquei abertamente George Bush por isso. Os Estados Unidos tinham contas públicas saudáveis no ano 2000, mas tal vantagem foi desbaratada levianamente devido aos cortes de impostos e ao esforço de guerra. Mas há que ter em conta a enorme dimensão da economia americana. Um trilião de dólares com a guerra do Iraque parece um montante astronómico, mas representa apenas 7% do produto nacional bruto.

O professor reeditou recentemente o livro The Return of a Depression Economics and the Crisis of 2008, onde compara as semelhanças entre a crise actual e a Grande Depressão de 1929. Precisamos de um novo “New Deal”?
O “New Deal”, o programa de grandes investimentos públicos que se seguiu à Grande Depressão de 1929, foi importante. Hoje também precisamos de mais estímulos fiscais e de uma política monetária mais agressiva. Tanto a Reserva Federal americana como o BCE podem comprar mais obrigações, sobretudo, as de longo prazo. Subir a taxa desejável de inflação é outra medida importante. Seria uma forma de reduzir as taxas de juro reais. Bernanke sabe o que é preciso fazer, mas não creio que o resto da administração da Reserva Federal esteja de acordo. O BCE é um caso perdido. Só pensa em mais cortes. As metas da inflação na zona euro deveriam ser mais elevadas do que os 2% recomendados no Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). As economias europeias também deveriam ter uma política fiscal comum. Creio que as pessoas que hoje mandam na economia estão a criar uma grande confusão. Estamos a repetir os mesmos erros dos anos 30, em câmara lenta.

E qual será o papel da China neste novo cenário?
A China está literalmente a “afundar” a economia mundial dado que mantém a sua taxa de câmbio artificialmente baixa, o que é mau para os países mais endividados. Isso só é bom para o sector exportador chinês. Essa parece ser a motivação dos dirigentes. Mas não é uma política aceitável.

Se a moeda chinesa (o yuan) se valorizasse a 
economia mundial iria recuperar imediatamente?
Também não creio que seja um factor assim tão relevante. A preços de mercado, a economia chinesa tem o tamanho do Japão. Ou seja, está a lutar pela vice-liderança da economia mundial. Ainda não é o gigante que querem fazer crer. Claro que a longo prazo todos nós teremos de aprender a falar mandarim. Mas, como dizia Keynes, a longo prazo estamos todos mortos.

No livro The Return of Depression Economics foi o primeiro economista a alertar o mundo para o perigo de uma depressão. Não quer ser agora o primeiro a avisar o mundo para uma data previsível de retoma?
Bem, eu sou conhecido por ser um economista temperamental. Não sou muito bom, como é sabido, a passar mensagens optimistas. Eu bem gostaria, mas não consigo ver os sinais de retoma a surgir. No final do ano passado, houve vários economistas entusiasmados com o início da recuperação. Na altura, eu estava céptico. Hoje, os dados provam que eu tinha razão. Estou à espera de algo que possa provocar uma verdadeira mudança. Uma retoma dos negócios seria a aspirina mais desejável. Se os empresários recomeçarem a investir, acreditando que o consumo vai aumentar, a retoma económica será uma realidade.

Os países emergentes podem fazer a diferença?
Sim. O problema é que eles insistem em ter superávites comerciais. O que o resto do mundo quer saber é se os países emergentes estão a comprar mais produtos e a reanimar o comércio internacional. Se houver mais fluxo de capital a entrar para a China ou para a Índia, por exemplo, isso pode ser importante. Mas não sei se os países emergentes já são grandes suficientemente para funcionarem como locomotivas da economia mundial.

Os relatórios das grandes consultoras mundiais, como a McKinsey e a Boston Consulting Group, dizem que África está na moda a nível económico. Concorda?
Confesso que eu nunca estudei África a sério. Mas uma após outra, todas as regiões do mundo que se julgavam irremediavelmente perdidas estão a desenvolver-se a bom ritmo. Sou velho o suficiente para me lembrar do tempo em que se dizia que os valores culturais da China eram incompatíveis com o crescimento económico. Recentemente dizia-se também que a Índia era incapaz de crescer de forma sustentada. Hoje, sabemos como isso estava errado. As análises recentes dizem que as coisas começam a correr bem com África. O continente parece estar no bom caminho. Acredito que neste ambiente de paz e ordem e com mais investimentos em infra-estruturas esse crescimento vai ser realidade.

A posse de riquezas naturais, como o petróleo, 
são uma bênção ou uma maldição?
A Noruega provou que é possível conjugar a riqueza em recursos naturais com o progresso económico e a justiça social. A “maldição” dos recursos naturais só acontece quando degenera em guerras civis. Creio que os governantes africanos já aprenderam, à sua própria custa, como a guerra pode ser prejudicial. Logo, será cada vez mais difícil caírem no mesmo erro.
Que lhe parece o actual desempenho económico de Angola?
Estive a estudar os números de Angola antes de vir para o seminário e creio que são muito interessantes. Há inúmeras oportunidades. O país tem recursos, logo, existe margem de manobra. Angola é claramente um país que está numa fase dinâmica. Mas ainda há muitos pobres. Tudo dependerá da forma como a geração aproveitar a oportunidade para diversificar a economia e para tirar grande parte da população da pobreza.

As políticas macroeconómicas também serão importantes? Nas últimas semanas debateu-se muito a questão sobre as vantagens e as desvantagens da independência do Banco Central. Qual é a sua opinião?
Não tenho uma opinião rígida. Por exemplo, o BCE é claramente independente de mais. Era bom que o Sarkozy gritasse mais vezes com o Trichet (risos). Angola tem uma historia de uma inflação moderadamente elevada. Logo, à partida, seria um caso em que a independência do Banco Central seria desejável. Por exemplo, no Brasil, o facto de haver essa independência deu maior credibilidade ao país nos mercados internacionais. Mas tudo depende das motivações que estão por trás da decisão do governo.

O bom desempenho económico do Brasil poderá 
ser um bom modelo de referência para Angola?
Sem dúvida. O Presidente Lula da Silva fez um excelente trabalho no combate à pobreza. O crescimento do Brasil parece ser tão forte e sustentável que já há quem defenda a sua retirada dos Bric (Brasil, Rússia, Índia e China). Na verdade, o Brasil é uma das economias mais dinâmicas e diversificadas do mundo. Angola pode aprender com a vasta experiência dos brasileiros nos sectores não petrolíferos, tais como os agro-negócios. (Exame Angola)

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