Se você é norte-americano e está enfrentando um período de dificuldades,
Mitt Romney tem uma mensagem a lhe transmitir: ele não se incomoda com o
seu sofrimento.
Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do
jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA).
Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de
20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados. Escreve às
segundas. Fonte: DO NEW YORK TIMESe Folha Online
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No começo da semana, Romney declarou a um entrevistador da rede de
notícias CNN que "não estou preocupado com os muito pobres. Temos uma
rede de segurança para atendê-los". O entrevistador não conseguiu
ocultar seu espanto.
Diante das críticas que a declaração causou, o candidato alegou que não
tinha querido dizer o que pareceu ter dito, e que suas palavras haviam
sido tiradas do contexto. Mas era evidente que ele quis dizer o que
disse. E quanto mais você considerar o contexto da declaração, pior a
situação fica para ele.
Primeiro, alguns dias antes Romney negou que os programas de assistência
aos pobres que ele posteriormente mencionaria como motivo para não se
preocupar estivessem ajudando de maneira significativa.
Em 22 de janeiro, ele declarou que os programas de rede de segurança
--sim, foram suas palavras liberais-- tem "imensos custos fixos" e que,
devido ao custo de uma imensa burocracia, "parte relativamente pequena
do dinheiro necessário àqueles que realmente precisam de ajuda, aqueles
que não têm como cuidar de si mesmos, chega realmente a eles".
A alegação, como boa parte do que Romney diz, é completamente falsa.
Os programas norte-americanos de assistência aos pobres não têm
burocracia ou custos fixos excessivos, ao contrário, por exemplo, das
companhias privadas de seguros.
Como documentou o Centro de Prioridades Orçamentárias e Políticas, de
90% a 99% do dinheiro destinado aos programas de rede de segurança
chegam realmente aos beneficiários.
Mas, mesmo desconsiderada a desonestidade de sua alegação inicial, como
pode um candidato primeiro declarar que os programas de rede social não
ajudam e depois, dez dias mais tarde, dizer que eles cuidam tão bem dos
pobres que não há motivo para preocupação quanto ao bem-estar destes?
Além disso, se considerarmos essa imensa mancada quanto ao funcionamento
real dos programas de rede de segurança, como poderíamos confiar na
declaração de Romney de que consertaria a rede de segurança caso ela
precisasse de reparos, depois que ele afirmou não estar preocupado com a
situação dos mais pobres?
A verdade quanto a isso é que a rede de segurança precisa de reparos.
Ela oferece grande ajuda aos pobres, mas ainda assim não o suficiente.
O programa federal de saúde Medicaid, por exemplo, oferece tratamentos
essenciais a milhões de cidadãos desafortunados, especialmente crianças,
mas muita gente passa sem assistência.
Entre os norte-americanos cuja renda anual fica abaixo dos US$ 25 mil,
mais de um quarto --28,7%-- não contam com qualquer forma de
seguro-saúde. E não, eles não podem compensar essa falta de cobertura
recorrendo aos prontos-socorros.
Da mesma maneira, os programas de assistência alimentar ajudam muito,
mas um em cada seis dos norte-americanos que vivem abaixo do limiar da
pobreza sofre de "baixa segurança alimentar".
A definição para essa condição é a de que "o consumo de alimentos é
reduzido em determinados períodos do ano porque os domicílios não
dispõem de dinheiro ou outros recursos para comprar comida". Em outras
palavras, essas pessoas passam fome.
Por isso, precisamos reforçar nossa rede de segurança. Mas Romney deseja, na realidade, enfraquecê-la ainda mais.
Especificamente, o candidato apoia o plano do deputado Paul Ryan para
cortes drásticos nos gastos federais, e dois terços desses cortes
aconteceriam em detrimento dos norte-americanos de baixa renda.
E, se Romney diferenciou sua postura da adotada por Ryan, foi no sentido
de cortes ainda mais severos na assistência aos pobres: sua proposta
para o Medicaid parece envolver redução de 40% nas verbas, ante a
distribuição atual.
Assim, a posição de Romney parece ser a de que não precisamos nos
preocupar com os pobres graças a programas que ele insiste, falsamente,
não ajudarem os necessitados, e que de qualquer modo ele pretende
destruir.
Ainda assim, acredito em Romney quando ele se declarara despreocupado quanto aos pobres.
O que não acredito é quando ele se declara igualmente despreocupado
quanto aos ricos, que estão "se saindo bem", segundo ele. Afinal, se ele
acredita realmente nisso, por que propõe lhes dar ainda mais dinheiro?
E estamos falando sobre muito dinheiro. De acordo com o Centro de
Política Tributária, uma organização apartidária, o plano tributário de
Romney na prática elevaria os impostos de muitos norte-americanos de
renda mais baixa e reduziria acentuadamente os impostos dos mais ricos.
Mais de 80% da redução de impostos beneficiaria pessoas que ganham mais
de US$ 200 mil ao ano; e cerca de metade se destinaria àqueles que
ganham mais de US$ 1 milhão ao ano.
O benefício tributário médio para os membros do clube do milhão seria uma redução de US$ 145 mil em seus impostos anuais.
E essas grandes isenções criariam um enorme rombo no orçamento, elevando
o deficit em US$ 180 bilhões ao ano --o que tornaria necessários os
severos cortes nos programas de rede de segurança.
O que nos conduz de volta à despreocupação de Romney. Podemos afirmar,
sobre o ex-governador de Massachusetts e presidente da Bain Capital, que
ele está desbravando fronteiras na política norte-americana.
Até mesmo os políticos conservadores costumavam considerar necessário
fingir preocupação com os pobres. Vocês se lembram do "conservadorismo
compassivo"? Romney, porém, deixou de lado esse fingimento.
Se as coisas continuarem assim, logo teremos políticos que admitem
aquilo que parece óbvio há muito tempo: eles tampouco se preocupam com a
classe média, e não estão e nunca estiveram preocupados com a vida dos
norte-americanos comuns. Tradução de Paulo Migliacci

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