Procurador do Ministério Público do
Tribunal de Contas da União há quase duas décadas, Marinus Marsico já comprou
briga com corruptos que aparelharam o Departamento Nacional de Infraestrutura
de Transportes (Dnit), enfrentou servidores que insistiam em receber supersalários
no Congresso e participou do acordo com o Grupo OK, do senador cassado Luiz
Estevão, para reaver 500 milhões de reais desviados do Tribunal Regional do
Trabalho de São Paulo.
Há cerca de dois anos, revira cada
detalhe da ruidosa compra da refinaria de Pasadena, no Texas, pela Petrobras,
um dos mais malsucedidos negócios da história da petrolífera brasileira. Para
ele, apesar de o caso Pasadena ser "indefensável", a Petrobras sofre
com desmandos políticos desde o segundo mandato do ex-presidente Lula. “A
Petrobras está afundando. Há uma mistura de má gestão com o fato de ter se
tornado um braço político do governo. Se a empresa não fosse pública, já tinha
quebrado”, disse em entrevista ao site de VEJA.
As denúncias envolvendo a Petrobras,
incluindo irregularidades em contratos, não são exatamente uma novidade para o
TCU. A Petrobras é uma caixa-preta?
A Petrobras é uma empresa muito
difícil de fiscalizar e, com certeza, se fosse mais transparente, se não se
preocupasse tanto com essa questão de sigilo comercial, muitas vezes indevido,
tenho certeza que esses contratos desastrosos, como o de Pasadena, não teriam
ocorrido. Se há dez anos houvesse a possibilidade de a Petrobras ser
fiscalizada como deve ser, hoje não teríamos esse tipo de situação. Ela se fecha
em um falso argumento de que é uma empresa de mercado e com sigilos comerciais.
Chama muito a atenção no caso da Petrobras a quantidade de irregularidades e a
magnitude dessas irregularidades. Não falamos de milhões, mas de bilhões de
reais.
Qual foi a influência do governo nas
decisões tomadas pela Petrobras nos últimos anos?
Esse mal de misturar o público com o
privado é algo que sempre existiu, desde o surgimento dessa esdrúxula figura da
sociedade de economia mista. Mas, ultimamente, essa situação aumentou muito, é
só ver os escândalos. Problemas sempre existiram, mas agora são problemas em
grau exponencial e se chegou a um ponto intolerável em que a empresa, se não
fosse pública, quebraria. E isso tudo ocorreu no período de 2005 a 2010 [no governo
Lula]. Esse foi o período mais sério para a Petrobras mesmo.
A gestão de José Sergio Gabrielli,
presidente da Petrobras na época da compra da refinaria de Pasadena, era
fechada?
Havia muito mais resistência da
Petrobras, resistência à fiscalização do tribunal como um todo, na gestão do
Gabrielli. Agora está um pouco mais transparente, mas há um longo caminho a
percorrer. Nas informações que pedi à Petrobras sobre Conselhos de
Administração e Fiscais, os dados foram passados parcialmente. Sonegar informação
ao Ministério Público causa uma ação de improbidade contra as pessoas que o
fizeram. A tarefa da atual presidente da Petrobras, Graça Foster, é muito
difícil porque cabe mudar uma empresa que ultimamente andou se descuidando
muito de sua eficiência, realizando gastos desnecessários e, sobretudo, sem
autonomia, sem condições de determinar pelas leis de mercado quais seriam suas
fontes de receita.
Quando o senhor fala em falta de
autonomia, quer dizer que existe ingerência política?
Sim, há uma forte ingerência política
na Petrobras. A presidente da Petrobras não consegue colocar o preço do seu
produto principal, que é a gasolina, em um patamar compatível com uma empresa
de mercado. Por isso, a Petrobras tem hoje o maior nível de endividamento entre
as grandes petroleiras no mundo, três vezes maior do que o razoável para o
resultado operacional dela. Isso é resultado dessa mão invisível do governo.
Sempre tem um braço forte do governo.
A Petrobras está afundando?
A Petrobras está afundando, sem sombra
de dúvida. Por mais que se fale e se apresentem números, ou por mais que se
coloquem recordes de produção petrolífera, vemos que ela está afundando. É isso
que o mercado pensa sobre a empresa. Há uma mistura de má gestão com o fato de
a empresa ter se tornado um braço político do governo. Não há nenhuma teoria
conspiratória em relação a isso. E se o mercado precifica a empresa nesse
sentido, é sinal de que ela não vai nada bem.
A compra da refinaria de Pasadena foi
o pior negócio da Petrobras nos últimos anos?
Não há defesa em Pasadena. A coisa
foi tão abertamente um escândalo que não há a mínima possibilidade de se
defender qualquer coisa na transação. Tudo ocorreu justamente na época em que a
administração pública federal atravessava aquela euforia de que tudo era
possível, tudo se podia, com índices políticos de popularidade muito altos.
Criou-se aquela ilusória sensação de que o mundo pertence a nós. Por conta
disso fizeram a transação sem o mínimo cuidado. Fiquei escandalizado com a
questão da Petrobras em Pasadena e me senti até ofendido com o negócio porque,
como órgão de fiscalização, ofendeu a minha inteligência o fato de se ter feito
uma contratação sem o mínimo cuidado. Parece que a Petrobras considera que nós
somos idiotas, que a gente não vai ver nada e que nunca vão descobrir nada.
Há críticas à refinaria Abreu e Lima?
Abreu e Lima é pior nos valores — e o
foco do TCU é economizar para o contribuinte. Mas, no lado simbólico, Pasadena
é uma afronta. Na época do contrato, a Astra [empresa belga parceira que vendeu
metade da refinaria para a Petrobras] colocava avisos aos acionistas afirmando
‘que maravilha, fizemos um grande negócio, muito maior do que qualquer
expectativa razoável’.
O que o TCU pode fazer em relação a
Pasadena?
Na minha representação pedi que se
apurassem responsabilidades na diretoria-executiva e eventualmente nos
conselhos. Configurado o débito, tem-se o rol de responsáveis que são obrigados
a devolver esses recursos. O tribunal também pode aplicar multas, que podem ser
proporcionais ao débito ou decorrentes de atos de gestão temerários,
ilegítimos, antieconômicos. O problema é que não é factível que se paguem as
multas.
A área internacional da Petrobras,
que foi comandada por Nestor Cerveró, é a mais problemática?
A área internacional é a que tem mais
irregularidades. É uma área problemática. O que quero é que a Petrobras passe a
funcionar em prol da sociedade brasileira. É uma coisa decepcionante e triste
porque a Petrobras é uma empresa que não precisava passar por essas
vicissitudes. A gente vê muitos indícios de uso político da empresa. É uma tristeza
ver tanto potencial desperdiçado. Veja o caso do parecer falho. O parecer era
falho e isso foi descoberto depois e nada foi feito com quem fez o parecer? A
pessoa continuou muito bem em uma subsidiária da Petrobras [Cerveró foi para a
Diretoria Financeira da BR Distribuidora] e só agora, depois do escândalo, é
que foi exonerada. Por que as medidas não foram adotadas antes? Tem que ser
investigada se essa omissão no parecer é dolosa e, se for, isso é um crime. Se
foi culposa, por incompetência ou falta de cuidado, essa pessoa não poderia
mais continuar na empresa. Se em um banco um funcionário causasse um prejuízo
de 1 bilhão de dólares para a instituição, certamente ele não continuaria com o
trabalho e poderia até ir para a cadeia.
O que acha da CPI da Petrobras?
Se a CPI for realmente um instrumento
em que todos os seus integrantes tenham a vontade genuína de investigar e
corrigir os problemas encontrados na Petrobras, ela é muito bem-vinda. A CPI
tem instrumentos superiores aos do TCU para a investigação. Mas esse talvez
seja um mundo utópico. Não ponho muitas esperanças no avanço dessas
investigações, por mais respeito que eu tenha pelo Parlamento. A CPI é um
instrumento da minoria. Se ela é sufocada pela maioria governista, não há
investigação. Seria bom se houvesse uma evolução política, que os direitos da
minoria fossem respeitados e que as investigações não fossem bloqueadas. Mas
acho que isso é sonhar muito. (revista VEJA)
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