Dom Reginaldo Andrietta
Bispo de Jales (SP)
Bispo de Jales (SP)
A
democracia brasileira está agonizante. Os escândalos políticos são apenas
sintomas de problemas estruturais históricos. O Estado brasileiro foi
constituído a partir de uma noção frágil de identidade pública, subserviente a
interesses privados. Por isso, o poder estatal tem sido facilmente usurpado por
oportunistas que atuam como testas de ferro de grandes grupos econômicos. Neste
momento, somente alguns desses grupos estão sendo desvendados.
A nação, do ponto de vista político e social, caminha para trás, desfazendo-se de princípios constitucionais conquistados com ampla mobilização popular no último período de transição para a democracia, há 30 anos. Não faltam os que, ingenuamente, defendem o regresso ao autoritarismo militar, sem se darem conta das experiências macabras pelas quais já passamos.
O
país, em lugar de avançar para uma democracia econômica, caminha para a
reedição do capitalismo selvagem. Prova disso são as reformas impostas pelo
atual governo, sem atenção à voz contrária de muitíssimos setores
representativos da sociedade civil e até mesmo de órgãos públicos referenciais
como a Procuradoria Geral do Trabalho. Esta tem alertado sobre o regresso das
relações trabalhistas ao contexto anterior à criação da Consolidação das Leis
do Trabalho.
Fala-se
em modernização. No entanto, retrocede-se aqui e em grande parte do mundo a uma
relação promíscua entre política e economia, denunciada pela Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil em sua recente Nota sobre o Grave Momento
Nacional: “A economia globalizada tem sido um verdadeiro suplício para a
maioria da população brasileira, uma vez que dá primazia ao mercado, em
detrimento da pessoa humana e ao capital em detrimento do trabalho”.
“Essa
economia mata e revela que a raiz da crise é antropológica, por negar a
primazia do ser humano sobre o capital”. Assim diz a CNBB em sua Nota,
inspirando-se na Exortação Apostólica Alegria do Evangelho, do Papa Francisco.
Ele refere-se a uma economia sem objetivo verdadeiramente humano. Impõe-se o
livre mercado: uma ditadura disfarçada. Os próprios políticos, em sua maioria,
negam o direito e o dever do Estado de velar pelo bem comum.
Ao
eximirem o Estado de sua responsabilidade, decretam traição aos propósitos para
os quais foram eleitos. Por isso, diz a CNBB: “aos políticos não é lícito
exercer a política de outra forma que não seja para a construção do bem comum”.
O fisiologismo dos partidos, ou seja, a defesa de seus interesses particulares,
em prejuízo do bem comum, gera questionamentos sobre a eficácia do sistema
político fundado no sistema partidário. Qual democracia, realmente, temos? Uma
democracia de interesses particulares que se sobrepõem aos interesses públicos.
Por isso, diversos setores da sociedade propõem uma reforma urgente do sistema
político brasileiro. Como seria realizada e qual seria seu alcance? Uma
Constituinte, hoje, com essa missão específica, criaria condições para se
recuperar a eficiência e a credibilidade do sistema político partidário? Seria
esse seu foco principal?
Que
tal sermos mais ousados, colocando questões mais radicais sobre o sistema
político, dependente, excessivamente, de partidos? A política, em sua origem,
foi concebida na forma de democracia participativa em função do bem comum. Ela
passou, na modernidade, a ser elitista e concorrencial. Os partidos seguem essa
lógica. Que tal uma reforma política radical que nos liberte dessa lógica? Sem
essa radicalidade nossa democracia sairá de seu estado agonizante? Texto
publicado originalmente no site da CNBB.
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