segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Da série grandes personalidades maranhenses: poeta NAURO MACHADO

Impressões sobre o poeta Nauro Machado


Neste começo de ano que se anuncia difícil, pesado, penumbroso, recheado de tantas mortes, tantas catástrofes, recebo um presente inesperado e lindo, daqueles de deixar a gente de bem com a vida: um volume de ensaios, estudos diversos, cartas, críticas, artigos reportagens, sobre um dos maiores poetas brasileiros da atualidade, o maranhense Nauro Machado. Da têmpera de alguns de seus contemporâneos que trouxeram glória para o estado que os viu nascer, e continuando a inspiração de dois importantes sanluisenses do último século, José Chagas e Ferreira Gullar. Arlete Nogueira, personagem mais que importante na cultura do Maranhão, cronista, poetisa, romancista, contista, ensaísta, critica literária, animadora cultural (que mais?) publicou este “Impressões sobre Nauro Machado”, uma homenagem afetuosa e justa ao companheiro de tantos anos. Desde a capa do livro (mais de seiscentas páginas, meus amigos!) já a imagem do poeta, entre angustiado e sério, ao modo de sua grande, enorme, poesia. Mas na última página, a foto de Nauro risonho, sentado em mesa na livraria da Praia Grande, muito mais a imagem que dele guardei, há uns anos, no Rio de Janeiro.
O livro contém nada menos que 131 textos relativos à obra de Nauro, à pessoa de Nauro, alguns estudos que podemos considerar definitivos sobre o que foi a obra de uma vida inteira dedicada à poesia, de um intelectual para quem escrever versos nunca foi diletantismo nem desejo de aparecer, como sói acontecer frequentemente em nossos meios literários. Mas antes, uma séria, profunda, bela, reflexão sobre o fazer poético e em seu questionamento sobre as grandes questões que enfrentamos os seres humanos nesta nossa breve passagem sobre a terra. Que somos, finalmente, por que a vida, por que a morte, por que a poesia, e esse desejo de nos dizer, de acrescentar uma pedra à construção do mundo, quando somos efêmeros, sozinhos “na correnteza da vida”? Apaixonado por sua cidade, o poeta percorre seus becos e ruas, vê seus defeitos, suas misérias, a decadência do que restou de seus áureos tempos, a cidade à sua imagem, “sempre disponível” e, como ele, carregando “a dor de ser”.
Discorda de Pessoa, “toda alma aqui é pequena”. Sofre pelas injustiças que abrigam esses casarões, essas ruínas, entre as quais vive “a miséria que sem dó se infinitiza na dor”. Como falar dessas coisas? Ele escreve. Tem plena consciência da luta com as palavras que lhe impõe a poesia. Pois “ser poeta é duro e dura e consome toda uma existência.” Neste livro organizado por Arlete, outros companheiros de ofício, poetas e criticos, entre os mais importantes do Brasil, analisaram os livros de Nauro Machado, uniram-se ao seu testemunho no questionar o mistério da vida, o mistério da morte, o dilema colocado pelas palavras com as quais buscamos falar o que a linguagem comum não alcança. Leram os poemas de Nauro, interrogaram os poemas de Nauro, analisaram a escrita justa, sensível e inteligente que percorre a totalidade de uma obra empenhada em servir a literatura. Que nela apostou a vida, ciente de que, como afirmou outro grande poeta, Rainer Maria Rilke, a poesia é a pátria do dizível. Obrigada, Arlete, obrigada Nauro por ter escrito, por ter existido.
*Luzilá Gonçalves Ferreira é romancista e membro da Academia Pernambucana de Letras.

Nauro Machado, o gênio maranhense

Por Adonay Ramos Moreira

“Não há como não se assombrar com os versos de Nauro: há neles aquela força verbal que faz com que o leitor sinta tremer a sua própria inteligência. Seus poemas guardam, de longe, o mais inquietante mergulho na existência humana que as últimas décadas de nossa poesia conseguiu alcançar. ”
Nauro Machado é, sob muitos aspectos, um grande poeta. Basta que mencionemos sua extensa produção para percebermos o seu imenso valor. Do primeiro livro, publicado no Rio de Janeiro, ao último que fez vir ao mundo ainda em vida, sua obra representa um grande feito nas letras nacionais. Não estaria exagerando se o classificasse entre os grandes poetas de língua portuguesa, seja pelo domínio assombroso que tinha do soneto, seja pela qualidade e às vezes perturbadora música que emana de seus versos, infelizmente pouco conhecidos de seus próprios conterrâneos.
Raros foram os poetas modernos que conseguiram produzir um poema definitivo na história das literaturas. Com efeito, Rimbaud deixou seu Le Bateau Ivre e Une Saison en Enfer na alma dos franceses; Eliot deixou os ingleses boquiabertos com seu A Terra Desolada; Rilke legou O Torso Arcaico de Apolo e As Elegias de Duíno aos alemães; Fernando Pessoa deu aos portugueses seu genial Tabacaria; Yeats presenteou os irlandeses com seu Velejando para Bizâncio; Konstantinos Kaváfis assombrou os gregos com À Espera dos Bárbaros e, mais recentemente, Derek Walcott deixou os santa- -lucenses perplexos com o seu Omeros. No Brasil, ao que se possa contar, são ainda muito poucos os poetas modernos que produziram poemas definitivos. Fala-se com um certo entusiasmo de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto; de José, de Carlos Drummond de Andrade; de Vou-me Embora pra Pasárgada, de Manuel Bandeira, ou mesmo do Poema Sujo, de Ferreira Gullar. Entanto, retirando os aspectos sociais de alguns desses poemas e o entusiasmo algo patriótico de outros, pouco resta nesses poemas que se possa eternizar, ainda que sejam grandes textos. Definitivos são sim, ao que creio, para citar apenas os nomes mais conhecidos, poemas como A Máquina do Mundo, de Drummond; Momento num Café e O Rio, de Bandeira; A Educação pela Pedra e Alguns Toureiros, de João Cabral de Melo Neto e Rainer Maria Rilke e a Morte, de Ferreira Gullar, certamente um dos mais belos poemas já publicados nas últimas décadas em nossa literatura. Serão esses poemas que a posteridade lembrará depois que todo modismo social e todo entusiasmo patriótico se forem.
No caso de Nauro Machado, entretanto, seu feito é duplo: foi não só capaz de produzir um poema definitivo, como o fez ainda em seu primeiro livro, Campo sem Base, publicado em 1958. O poema O Parto, uma das mais belas composições do poeta maranhense, impressiona ainda mais quando tomamos consciência de que só contava o poeta apenas 23 anos de idade quando o publicou.
Que a juventude não é um empecilho à criação e ao gênio, isso toda a gente sabe. Keats faleceu aos 25 anos de idade e deixou uma obra sob muitos aspectos admirável em língua inglesa. Garcia Lorca esquentou ainda mais o sangue dos espanhóis com seus poemas às vezes deliciosamente obscuros, cheirando a cavalos e a ciganos. Álvares de Azevedo, poeta menino, não deixou passar em branco sua existência nesse pretensioso paraíso tropical, e qualquer indivíduo razoavelmente educado em matéria de poesia nacional não lhe pode ignorar os poemas, sobretudo os famosos versos Se eu morresse amanhã, viria ao menos/Fechar meus olhos minha triste irmã;/Minha mãe de saudades morreria/Se eu morresse amanhã! E como não mencionar Rimbaud, o enfant terrible, que é certamente o poeta mais genialmente precoce de toda a literatura ocidental. Basta que nos lembremos de seus versos para que lhe reconheçamos o valor. Versos como
Maintenant, les petits sommeillent tristement:
Vous diriez, à les voir, qu’ils pleurent em dormant,
Tant leurs yeux sont gonflés et leur souffle pénible!
Les tout petits enfants ont le cœur si sensible!
(Agora as crianças já dormitam tristemente:
Vendo-as, podeis dizer que adormecidos choram,
Pois seus olhos estão inchados e soluçam!
Sensíveis corações que têm os pequeninos!)
presentes no poema A Consoada dos Órfãos, o qual o poeta envia em 1869, com apenas 14 anos de idade, a La Revue pour tous, já nos dão a prova da genialidade do jeune Shakespeare, como depois passaria a ser chamado o poeta de Charleville.
Portanto, não é nada assombroso que Nauro, com apenas 23 anos, já presenteasse a língua portuguesa com esse poema.

O Parto segue sendo, dentro da obra desse grande gênio maranhense, um poema de exceção, e é, ao menos é o que qualquer crítico razoavelmente sério deve considerar, um poema definitivo. Como geralmente acontece na obra de grandes gênios, esse texto de juventude já antecipa quase todo o destino do seu autor.
Com efeito, o próprio Nauro Machado é um poeta de exceção. Pertencendo cronologicamente à terceira fase do modernismo brasileiro, desde seu primeiro livro se afasta da geração de 45 e nada há nele que lhe possa associar a qualquer movimento literário posterior. A poesia concreta, que então ganhava voz nas páginas literárias em nosso país, desencadeada pelo livro A Luta Corporal, do também maranhense Ferreira Gullar, nem sequer toca a veia poética da qual provêm os poemas de Nauro.
Autodidata de grande erudição, como de resto foram os grandes escritores de nosso país, o poeta maranhense não se deixaria seduzir pelo canto de sereia capitaneado pelos irmãos Campos e Décio Pignatari, os quais de poeta mesmo tinham muito pouco, a não ser a pretensão, como o tempo bem soube nos mostrar.
Com efeito, a obra de Nauro é única na segunda metade do século XX na poesia brasileira. Se buscarmos compará-lo com alguns dos principais poetas da segunda metade do século XX em diante, veremos que sairemos frustrados dessa comparação. Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Dante Milano, João Cabral de Melo Neto, Lêdo Ivo, Thiago de Mello, Bruno Tolentino, Manoel de Barros, Adélia Prado, Carlos Nejar e Ferreira Gullar, nenhum desses poetas comporta comparações com o autor de O Cavalo de Troia.
Nauro é um fenômeno à parte em nossa poesia. Visivelmente influenciado pelos poetas malditos (não há como não ver nele traços de Baudelaire e Rimbaud), também escreveu de forma exímia alguns dos mais belos sonetos de nossa literatura. Pode-se dizer dele o mesmo que sobre Augusto dos Anjos disse Manuel Bandeira: seus versos começam bem e depois endoidam. Essa loucura da sintaxe, tão bem diagnosticada por Bandeira nos versos do poeta do Engenho Pau d’Arco, não reflete, senão, a grande complexidade do universo poético de um autor e é, muitas vezes, a expressão verbal da angústia que dorme dentro da alma do poeta, angústia essa que sempre esteve presente na vida e na obra do grande escritor maranhense.
Não há como não se assombrar com os versos de Nauro: há neles aquela força verbal que faz com que o leitor sinta tremer a sua própria inteligência. Seus poemas guardam, de longe, o mais inquietante mergulho na existência humana que as últimas décadas de nossa poesia conseguiu alcançar. Nele, o próprio pensamento fez-se carne, sangue, palavra. Sua inquietação era de tal modo visível e pulsante que, ao lê-lo, temos a sensação de podê-la tocar com as nossas próprias mãos, como fazemos como uma flor ou qualquer outro objeto pulsante, vivo e delicado. Suas palavras atingem nosso coração como uma flecha e, um segundo depois, já não somos os mesmos. Nauro nos apresenta um mundo do qual constantemente queremos fugir; um mundo que reflete as nossas próprias inquietações e misérias; um mundo no qual vemos despidas as nossas máscaras mais caras e assistimos boquiabertos ao desfile de nossas próprias angústias e medos. Seus versos são como um espelho cuja imagem nos revela a nossa real e negada face, e põem ante nossos olhos a nossa condição de seres humanos. Falo de poemas como Intermezzo, presente no livro Funil do Ser, de 1995, no qual lemos:
A solidão
antes do nada.
Depois do nada
a solidão.
Ah, fruamos nós,
enquanto vivos,
a solidão
entre dois nadas.
Ou do não menos genial A Lente do Mundo, do livro O Anafilático Desespero da Esperança, publicado em 1987, poema no qual o corpo é visto ao mesmo tempo como símbolo de corrupção e de grandeza. Fala o poeta:
Quando, num livro de obstetra
– tinha eu talvez tão só dez anos –
vi a genitália aberta, abjeta,
e vi a imensa sujeição do ânus,
senti-me ter a alma de poeta:
um mar entre dois oceanos.
Nasceu dali este meu destino,
como se daquela cabeça,
daquele feto de menino,
daquela flor tão só crueza,
pudesse a dor também ser sino
e a miséria também grandeza.
É um lugar-comum afirmar que a obra de Nauro Machado retorna sempre ao tripé sexo, morte, Deus. Bem verdade que esses temas lhe são recorrentes e aparecem com constância no corpo de sua obra. Entanto, afirmar que sua poesia não ultrapassa esses limites significa reduzir a grandeza do poeta. Seu alcance vai muito além desses parcos horizontes e assume uma postura genuinamente filosófica, e, nesse sentido, não há como não colocar Nauro ao lado de poetas como Antero de Quental, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Augusto dos Anjos e, em alguma medida, Carlos Drummond de Andrade, alguns dos autores que, em língua portuguesa, mais perto conseguiram chegar do sentimento do mundo, para usar uma expressão do poeta de Itabira.
Esse senso filosófico presente na poesia de Nauro não parte de absurdas construções idealizadas do mundo, como sói acontecer nos versos de alguns poetas modernos ainda não de todo livres da influência do leite romântico e que, na poesia moderna brasileira, mais particularmente nos poetas da geração de 45, tomam corpo sobretudo nos primeiros livros de Vinícius de Moraes, como prova o seguinte trecho do poema Místico, primeiro poema do livro de estreia do poeta carioca, intitulado O Caminho para a Distância, publicado em 1933 no Rio de Janeiro, contando o jovem autor apenas 20 anos de idade:
O ar está cheio de murmúrios misteriosos
E na névoa clara das coisas há um vago sentido de espiritualização…
Tudo está cheio de ruídos sonolentos
Que vêm do céu, que vêm do chão
E que esmagam o infinito do meu desespero
.
Dessa poesia religiosa com pretensões de filosofia Nauro jamais irá provar. Como todo poeta maldito, Nauro Machado era um realista, como o foram Poe, Baudelaire, Rimbaud, Keats, Blake e Yeats. Seus ensinamentos percorrem aquele mesmo caminho que trilhou William Blake: fala-nos transcendentalmente do mundo com as coisas do mundo, como se nota no seguinte trecho dos Provérbios do Inferno, parte daquele seu monumental O Matrimônio do Céu e do Inferno, que é certamente um dos grandes livros da literatura inglesa:
No tempo de semeadura, aprende; na colheita, ensina; no
inverno, desfruta.
Conduz teu carro e teu arado sobre a ossada dos
mortos.
O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria.
A Prudência é uma rica, feia e velha donzela cortejada
pela Impotência.
Aquele que deseja e não age engendra a peste.
O verme perdoa o arado que o corta.
Imerge no rio aquele que a água ama.
O tolo não vê a mesma árvore que o sábio vê.
Aquele cuja face não fulgura jamais será uma estrela.
A eternidade anda enamorada dos frutos do tempo.
E é o próprio Nauro quem nos chama atenção ao seu profundo realismo, quando escreve, no poema Mundo Concreto, do livro Mar Abstêmio, de 1991, os seguintes versos:
Tudo é real, o sol nos lembra. E conta
como no espaço enchemos nossos sonhos
de outras lembranças com as próprias coisas
tombando à vida, túmulo levado
– até no amor ou no ônibus – pelo ombro.
É dessa realidade que retira Nauro Machado a sua filosofia. Assim como na obra daquele outro gênio de língua francesa, Albert Camus, que também encontrou no sol o aviso de que a realidade é o que importa, Nauro faz desfilar em seus versos uma inquietação profunda, verdadeira, que não se confunde com as lamentáveis elaborações pseudo-filosóficas de alguns poetas modernistas. O gênio maranhense foi um poeta moderno, jamais um modernista. Como poeta moderno, soube aproveitar algumas das conquistas obtidas pela geração de 22, mas, ao contrário de muitos modernistas, não se deixou levar pela sedução de originalidade que invadiu a poesia moderna brasileira e que levou aos voos de Ícaro dos poetas neoconcretos, dos quais seu conterrâneo Ferreira Gullar foi um dos principais teóricos e representantes. Nauro foi um clássico, um clássico moderno, como também o foi T.S.Eliot. Nele, a poesia e o pensamento estavam muito acima dos possíveis malabarismos da língua. O poeta maranhense jamais se atreveu a brincar com as palavras. Sabia perfeitamente que elas eram valiosas demais para serem utilizadas como brinquedo. Como João Cabral de Melo Neto, há nele às vezes uma precisão cirúrgica, um golpe cuja finalidade é fazer com que descubramos em nós mesmos o pensamento, como bem exemplifica o poema Afogados, 296, do livro Testamento Provincial, lançado em 1973:
É um sonho de sol:
é ser sem semente,
o sonho que só
me inunda esta mente.
É ser como o dia:
sem raízes, feito
do que o precedia:
ele, em si. Desfeito,
é um ser que amanhece
para que se ponha.
E a mente, qual prece,
mente!, pois me sonha.
Há homens que nascem póstumos, lembra-nos aquele outro angustiado que foi o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, cujas obras formam um dos mais tristes evangelhos da solidão. Quis o destino que Nauro Machado também trilhasse esse mesmo caminho. Como todos os poetas malditos, ele passou pela vida ignorado pelos seus próprios contemporâneos. Se desfrutou da amizade e da admiração dos maiores críticos literários brasileiros do século XX, entre os quais se encontram homens do quilate de José Guilherme Merquior e Ivan Junqueira, sua voz não teve a mesma repercussão entre a gente comum, nem mesmo seus conterrâneos foram capazes de ouvir e entender o soluço dolorido que emanava de sua tão frágil alma. Como Blake, achavam-no intratável como homem e hermético e excêntrico como artista. Sua presença, para a extrema vergonha de nossa cultura, passou quase ignorada. O silêncio que paira sobre sua monumental obra não revela senão a nossa grande miséria e pobreza espirituais. Nossa cultura deve a Nauro Machado as honras que ele merece. Não fazê-lo significa o fracasso total de nossa inteligência. Enquanto não nos reconciliamos de todo com o grande poeta, é preciso que mantenhamos viva e acesa a luz de sua pulsante e inquietante poesia. Nauro agora já não tem pressa, possui toda a eternidade para nos esperar. Porém é preciso que não demoremos muito. No fundo, ele sabia que sua poesia não ecoaria em sua própria época. Ignorada em seu tempo, sua obra viverá para a eternidade. Viveu para a poesia e fez dela sua própria voz, como bem lembra o seguinte trecho do soneto de número 1188 do seu último livro publicado em vida, O Baldio Som de Deus, lançado em 2015:
E na morte após sendo minha vida
eternamente nunca repetida,
trazendo os pulmões sem ar para mim,
porque do verbo fiz uma criatura
para vencer a eterna sepultura,
faço-me túmulo de alguém sem fim.
Como já antecipava o jovem poeta de 1958 no poema O Parto:
ser poeta é duro e dura
e consome toda
uma existência.
De fato, para Nauro Machado a poesia era um sacerdócio, estava acima das triviais exigências cotidianas desse mundo. Como acontece aos clássicos, seu corpo feneceu, mas sua obra continua, ainda mais inquieta e pulsante, e sua voz permanece viva, e canta, e brada e sonha dentro de nós.

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