Fernando Hage – Tese
de Mestrando em Moda, Cultura e Arte (Senac SP)
Este artigo busca construir uma breve trajetória da carreira de João
Affonso do Nascimento (1855-1924), escritor maranhense que publicou em 1923 em
Belém o livro Três Séculos de Modas, primeiro livro de história da moda escrito
no Brasil, mostrando a importância de sua produção na imprensa do norte do país
como desenhista, escritor, crítico de arte e historiador.
Este é um breve percurso histórico de uma grande figura. Filho de uma
costureira e de um comerciante, João Affonso do Nascimento nasceu em 1855 em
São Luís do Maranhão.
Autodidata, ele uniu seu ensino fundamental no Liceu Maranhense com uma
vontade de aprender e se expressar que lhe levou à lugares como Belém, Manaus,
Lisboa e Paris. Em 69 anos de vida, João Affonso dedicou mais de 50 anos de sua
carreira à imprensa do Maranhão e das duas principais capitais amazônicas.
Foram mais de 17 publicações, onde ele pode exercitar diversas facetas como
tradutor, desenhista, jornalista, escritor, crítico literário, teatrólogo,
crítico de arte e historiador.
Joafnas, apelido que ele assinou artigos na
Folha do Norte de Belém do Pará durante todo o século XX, e como
ficou lembrado por seus familiares, foi um fiel representante de sua época, se
expressando através das ideias em voga do final do século XIX ao momento da
belle époque, momento áureo da economia amazônica que entrou em crise a partir
da segunda década do século XX. João Affonso faleceu na capital paraense em 17
de abril de 1924. No dia seguinte publicava a Província do Pará: “Belém
intelectual sofreu ontem a perda de um dos seus mais velhos e brilhantes
escritores, um homem dedicado à arte, em prol da qual sempre batalhou neste
Estado”.
Atuando em
Maranhão entre os anos de 1872 e 1880, João Affonso é reconhecido em sua cidade
natal por sua atuação pioneira na Revista A Flecha (1879-1880) como um
importante caricaturista que usava o desenho como forma de crítica aos
problemas da sociedade, além de retratar também os costumes negros em São Luís
em seus desenhos. O maior reconhecimento de João Affonso, no entanto, não vem
do seu pioneirismo no que é considerado por historiadores como Maria do Carmo
Teixeira Rainho e Rita Andrade, o primeiro livro de moda escrito e publicado no
Brasil, Três Séculos de Modas.
Escrito entre os anos de 1915 e 1916, mas somente impresso no ano
de 1923, o livro fez parte das comemorações do Tricentenário da Fundação de
Belém, e decidiu-se pela sua criação a partir de uma comissão organizadora dos
festejos da qual participava o próprio João Affonso, que ficou encarregado de
escrever esta obra. Soubesse ou não João Affonso, mas ele escreveu o primeiro livro
de história da moda escrito no Brasil, lembrado pelo jornalista Murilo Menezes
em 1930 da seguinte forma: Esta obra, inteiriça, fruto de pacientes pesquisas,
além do seu valor como obra de informação fidedigna e pitoresca da história da
indumentária através da civilização, vinha confirmar os seus predicados de fino
observador, espírito culto e viajado, e, sobretudo, como crítico de arte.
Álvara, de 96 anos, é uma dos vinte e um netos que João Affonso
teve. Na oportunidade que tive de conhecê-la, apesar da idade, Álvara lembra
bem que seu avô havia escrito um livro de moda, e isso me falava em tom de
orgulho. Outros familiares do autor, como sua bisneta Maria Beatriz Maneschy, e
o arquiteto Flávio Nassar, que mantém algumas obras da biblioteca de João Affonso
em sua casa, não sabem muito bem por que João Affonso escreveu um livro sobre
moda. Se este livro de história da moda foi escrito por João Affonso, seu
conhecimento aprofundado das artes e suas características como um exímio
observador e escritor, com mais de 20 anos de carreira jornalística apenas em
Belém, talvez fossem os motivos que fariam dele a pessoa mais adequada para
escrever esta obra.
O poeta Paulo Mendes, neto do escritor, escreveu na segunda edição
de Três Séculos de Modas um prefácio que mostra uma boa parcela da trajetória
de João Affonso. Foi ao conhecer essa trajetória que me interessei em conhecer
quem era essa pessoa que escreveu o primeiro livro de moda do Brasil, mais do
que porque esse livro foi escrito, já que diferente do que alguns círculos
pronunciam, o interesse acadêmico pela moda não é de forma alguma uma questão
recente. Como o intelectual fala em um de seus textos em 1914, ele trabalhou
muitas vezes como um “obscuro peão” dentro da imprensa, e sua atuação como de
muitos que trabalharam na imprensa periódica do século XIX e das primeiras
décadas do século XX, acabou desconhecida.
Durante dois anos, tive a oportunidade de manter contato com mais
de 200 textos e um número grande de ilustrações que João Affonso criou, tendo a
certeza que sua atuação tem muita importância para a história tanto regional no
Maranhão e no Pará, quanto dentro de um panorama intelectual brasileiro. O
próprio intelectual ajudou a escrever sua história em textos publicados em 1914
na Folha do Norte. Curriculum Vitae, Em Prosa e Verso e Meu Fatinho de Casimira
são crônicas de sua própria vida, destacando sua atuação na imprensa e
lembranças de sua infância no Maranhão.
Essas histórias, juntas ao primeiro relato de Paulo Mendes, e mais
algumas questões que desenvolvi durante minha pesquisa, traçam aqui uma
trajetória das diversas áreas e periódicos que João Affonso atuou, na intenção
de evidenciar a importância de sua produção, e como isso nos levará até a moda.
João Affonso do Nascimento. Cidadão brasileiro, casado, despachante geral,
conhecido fabricante da FLECHA por dentro e por fora.
Nem alto nem baixo, mais magro que gordo, inofensivo quando dorme, nariz vermelho, olhos de cor duvidosa, cabelos curtos e russos, bigode transparente, barba deserta, fato de casimira cor de castanha, três anéis num só dedo. Signaes particulares: Tem a mania de endireitar o gênero humano, usa ás vezes bengala preta e quando assigna caricaturas com J.A supõe que isso quer dizer João Affonso. João Affonso nasceu em uma época onde jornais e livros estrangeiros não eram mais proibidos, como haviam sido antes da chegada da Família Real ao Brasil em 1808, e o Maranhão, nos anos de 1830, passara por um movimento que importante na literatura local com o poeta Gonçalves Dias, uma importante figura para a consolidação da literatura romântica no país inteiro, que refletiria também no desenvolvimento da imprensa local.
Nem alto nem baixo, mais magro que gordo, inofensivo quando dorme, nariz vermelho, olhos de cor duvidosa, cabelos curtos e russos, bigode transparente, barba deserta, fato de casimira cor de castanha, três anéis num só dedo. Signaes particulares: Tem a mania de endireitar o gênero humano, usa ás vezes bengala preta e quando assigna caricaturas com J.A supõe que isso quer dizer João Affonso. João Affonso nasceu em uma época onde jornais e livros estrangeiros não eram mais proibidos, como haviam sido antes da chegada da Família Real ao Brasil em 1808, e o Maranhão, nos anos de 1830, passara por um movimento que importante na literatura local com o poeta Gonçalves Dias, uma importante figura para a consolidação da literatura romântica no país inteiro, que refletiria também no desenvolvimento da imprensa local.
Estudante do Liceu Maranhense, considerado a mais importante
instituição de ensino da região, João Affonso aos 17 anos já começava sua
carreira na imprensa, trabalhando como tradutor de contos de Alfred de Musset
para o jornal O Domingo, de Arthur Azevedo. Literatura e imprensa andaram muito
próximas no tempo de João Affonso, pois eram nos jornais que muitos contos eram
publicados, fossem eles traduzidos ou escritos por intelectuais locais. Além do
mais, importantes escritores do século XIX começaram escrevendo em jornais e
revistas periódicas que circulavam pelo país. Esse é o caso de famosos
escritores como Machado de Assis, Eça de Queiroz e dos nem tão famosos como o
próprio João Affonso. João Affonso ainda colaboraria como tradutor no Maranhão
em o Jornal Para Todos (1876) e A Pacotilha (1880), onde traduziria um conto de
Flaubert, mas é durante esse período de cinco anos, entre 1876 e 1880, que João
Affonso começa a assinar seus próprios textos, e também suas próprias
caricaturas. Na verdade não exatamente seu nome, pois nos jornais que João
Affonso trabalhou assinavam-se apenas pseudônimos.
Em 1914, revivendo memórias, João
Affonso escreve sobre o “pôr de pseudônimos sem pés nem cabeça, que semeou ao
longo de sua vida literato-miry”. Em seu trabalho mais reconhecido, a revista A
Flecha, onde se falavam sobre os assuntos cotidianos com humor crítico, João
Affonso assinaria com os mais diversos pseudônimos possíveis, de Binocolini,
Bisbilhoteiro, Pim-pom e Catacumba. Quase tudo o que foi escrito na revista
vinha somente de sua cabeça. Disse ele no mesmo texto de 1914: “Ficava eu na
contingência de inventar pseudônimos variados, para disfarçar quanto possível
aos olhos do público, a circunstância de ser tudo escrito por uma só e mesma
pessoa”. Sozinho João Affonso também escreveu O Malho, “folhetinhos” de 100
páginas que circularam em 1880, mas sua trajetória não é solitária como pode
parecer. O jovem João Affonso fez parte de um grupo de intelectuais que começou
a se conhecer através de Celso Magalhães, bacharel em direito pela Escola de
Recife, que editava o Jornal Para Todos. Eram eles João Affonso, Victor Lobato,
Alfredo Queiroz e Aluísio Azevedo, entre outros. Esse último, Aluísio Azevedo,
é do grupo a figura mais conhecida na literatura brasileira, por ser o
introdutor junto com Machado de Assis do estilo realista. Aluísio publicou O
Mulato em 1880, considerado o primeiro romance naturalista do país, e era de
João Affonso o manuscrito desta publicação. Segundo Eça de Queiroz: O Realismo
é uma reação contra o Romantismo: o Romantismo era a apoteose do sentimento; -
o Realismo é a anatomia do caráter. É a crítica do homem. É a arte que nos
pinta a nossos próprios olhos – para condenar o que houve na nossa sociedade.
Toda a geração de João Affonso foi influenciada pelas ideias que estavam por trás da corrente realista na literatura. Em um sentido amplo, havia uma reação aos padrões “atrasados” do Brasil, e buscava-se criticar esses modelos através de uma literatura onde escravidão, classes sociais, questões políticas e questões religiosas estavam em pauta. Como cita Silvio Romero, a expressão da literatura “compreende todas as manifestações da inteligência de um povo: política, economia, arte, criações populares, ciências... e não, como era de costume supor-se no Brasil, somente as intituladas belas-letras”. O desenho foi uma das disciplinas que João Affonso cursou no Liceu Maranhense, e sua carreira como caricaturista começou em 1877 no Jornal Para Todos, pioneiro no Maranhão com ilustrações intercaladas, mas foi em A Flecha (1879) que a cidade de São Luís teve a primeira revista completamente ilustrada. As revistas ilustradas foram um fenômeno no Brasil do final do século XIX, e a introdução do processo da litografia e o desenvolvimento do estilo da caricatura ampliaram a influência dos periódicos na sociedade, principalmente como críticos do que acontecia no país no século XIX. Segundo o próprio João Affonso, suas caricaturas eram “algumas vezes furiosamente demagogas”. As ideias republicanas, a crítica à igreja, a denúncia da miséria e da má administração pública eram temas recorrentes nas caricaturas publicadas em A Flecha, mas esse teor de crítica também começou a dividir espaço com o que Herman Lima intitula como “caricatura dos costumes”.
Toda a geração de João Affonso foi influenciada pelas ideias que estavam por trás da corrente realista na literatura. Em um sentido amplo, havia uma reação aos padrões “atrasados” do Brasil, e buscava-se criticar esses modelos através de uma literatura onde escravidão, classes sociais, questões políticas e questões religiosas estavam em pauta. Como cita Silvio Romero, a expressão da literatura “compreende todas as manifestações da inteligência de um povo: política, economia, arte, criações populares, ciências... e não, como era de costume supor-se no Brasil, somente as intituladas belas-letras”. O desenho foi uma das disciplinas que João Affonso cursou no Liceu Maranhense, e sua carreira como caricaturista começou em 1877 no Jornal Para Todos, pioneiro no Maranhão com ilustrações intercaladas, mas foi em A Flecha (1879) que a cidade de São Luís teve a primeira revista completamente ilustrada. As revistas ilustradas foram um fenômeno no Brasil do final do século XIX, e a introdução do processo da litografia e o desenvolvimento do estilo da caricatura ampliaram a influência dos periódicos na sociedade, principalmente como críticos do que acontecia no país no século XIX. Segundo o próprio João Affonso, suas caricaturas eram “algumas vezes furiosamente demagogas”. As ideias republicanas, a crítica à igreja, a denúncia da miséria e da má administração pública eram temas recorrentes nas caricaturas publicadas em A Flecha, mas esse teor de crítica também começou a dividir espaço com o que Herman Lima intitula como “caricatura dos costumes”.
A caricatura dos costumes fala, com humor, das mais
diferentes manifestações urbanas, sejam grandes acontecimentos ou pequenas
mudanças de hábitos, ou mesmo figuras conhecidas (os chamados “typos”) que
transitam pelo espaço social. As ruas, o carnaval, as procissões religiosas e o
teatro são os principais temas explorados por uma geração inteira de
caricaturistas brasileiros durante a segunda metade do século XIX. Estes eram
os temas que eram utilizados em A Flecha, e foram ainda mais explorados quando
em Belém, João Affonso lançou A Vida Paraense em 1883, todos contendo uma visão
“naturalista”, como uma visão que olha para a realidade comum e cotidiana para
a construção de questionamentos e personagens, mostrando como a estética
literária do “realismo” permeia toda a trajetória de João Affonso. O primeiro
conto literário publicado por João Affonso é “A Viúva”, contido na Revista
Amazônica de 1883, quando João Affonso já residia em Belém. Casado com Maria
Germiniana de Sousa, João Affonso em 1881 mudou-se para Belém, trocando seu
emprego na Alfândega do Maranhão por um cargo de contador em uma firma
comercial, mas é claro, não deixando de lado a imprensa. Segundo Veblen, sobre
o trabalhador da imprensa: Esse ofício exige mais do que a média das
inteligências e do conhecimento gerais, e os homens que o exercem são mais
prontos que os demais a tirar proveito da mudança de um lugar para o outro, de
qualquer insignificante variação na demanda de seu labor. Por conseguinte, a
inércia devida ao apego ao lugar também é insignificante.
Assim, João Affonso vai aproveitar o desenvolvimento econômico que se inicia na Amazônia, começando como correspondente do jornal maranhense A Pacotilha na sessão A Pacotilha no Pará, e a partir de 1881 entrando na imprensa paraense no Diário de Notícias, passando para o Diário do Grão-Pará de 1882 até 1884. Um ano antes, ele começa a publicar seu próprio periódico, A Vida Paraense, um retrato do cotidiano de uma Belém que começava a crescer devido ao aquecimento gradativo das exportações de borracha e da vida urbana, mas ainda com muitos problemas políticos e sociais, afinal o Brasil ainda não era uma República e muito menos havia abolido a escravidão. Com traços ainda semelhantes com A Flecha, o periódico paraense tem na vida cotidiana sua maior expressividade. Nos dois periódicos, o teatro, por exemplo, era uma pauta constante para desenhos e críticas textuais que João Affonso assinava como Binocolini. A paixão pelo teatro era um fato conhecido pelos intelectuais próximos à João Affonso, tanto que já em 1881 ele participaria da Revista Lyrica, um libreto de ópera no qual ele fazia a crítica da execução durante o período de estadia da companhia Passini em Belém. Foi o próprio crescimento da economia que fez com que João Affonso interrompesse a publicação d ́A Vida Paraense. Ele foi contratado pela casa comercial A. Berneaud e Cia, e fixou moradia em Manaus a partir de 1885, outra cidade que também crescia com a economia da borracha. Por lá João Affonso ficou dez anos, quando depois começou a alternar entre Belém e Manaus. Mas não foram dez anos sem trabalhar na imprensa, pois o intelectual colaborou nos periódicos Commercio do Amazonas, onde escreveu um folhetim semanal “de sábado a sábado” com o pseudônimo de Dom Fuas; no Diário de Manaus, traduziu trechos de autores como Émile Zola, e no Norte do Brasil publicou o conto “O primeiro pecado de Alcibíades”, que ele denomina como um “conto paraense”. O papel de crítico teatral que João Affonso tinha em seus periódicos também chegou ao de crítico de artes.
Assim, João Affonso vai aproveitar o desenvolvimento econômico que se inicia na Amazônia, começando como correspondente do jornal maranhense A Pacotilha na sessão A Pacotilha no Pará, e a partir de 1881 entrando na imprensa paraense no Diário de Notícias, passando para o Diário do Grão-Pará de 1882 até 1884. Um ano antes, ele começa a publicar seu próprio periódico, A Vida Paraense, um retrato do cotidiano de uma Belém que começava a crescer devido ao aquecimento gradativo das exportações de borracha e da vida urbana, mas ainda com muitos problemas políticos e sociais, afinal o Brasil ainda não era uma República e muito menos havia abolido a escravidão. Com traços ainda semelhantes com A Flecha, o periódico paraense tem na vida cotidiana sua maior expressividade. Nos dois periódicos, o teatro, por exemplo, era uma pauta constante para desenhos e críticas textuais que João Affonso assinava como Binocolini. A paixão pelo teatro era um fato conhecido pelos intelectuais próximos à João Affonso, tanto que já em 1881 ele participaria da Revista Lyrica, um libreto de ópera no qual ele fazia a crítica da execução durante o período de estadia da companhia Passini em Belém. Foi o próprio crescimento da economia que fez com que João Affonso interrompesse a publicação d ́A Vida Paraense. Ele foi contratado pela casa comercial A. Berneaud e Cia, e fixou moradia em Manaus a partir de 1885, outra cidade que também crescia com a economia da borracha. Por lá João Affonso ficou dez anos, quando depois começou a alternar entre Belém e Manaus. Mas não foram dez anos sem trabalhar na imprensa, pois o intelectual colaborou nos periódicos Commercio do Amazonas, onde escreveu um folhetim semanal “de sábado a sábado” com o pseudônimo de Dom Fuas; no Diário de Manaus, traduziu trechos de autores como Émile Zola, e no Norte do Brasil publicou o conto “O primeiro pecado de Alcibíades”, que ele denomina como um “conto paraense”. O papel de crítico teatral que João Affonso tinha em seus periódicos também chegou ao de crítico de artes.
Nos últimos dois anos do século XIX, quando João Affonso colaborava no Diário de Manaus, lá ele publicou uma extensa crítica à uma obra de Aurélio de Figueiredo, alusiva à libertação dos escravos, que fora vendida ao Governo do Amazonas. Na virada do século, João Affonso se tornaria sócio da firma onde começara a trabalhar, e em 1901 vai viver com suas riquezas e família completa em Paris, capital do país que João Affonso dominava a língua e também toda a cultura literária de sua época. Sem dúvida uma experiência única em sua vida, e que João Affonso faz questão de relatar na imprensa escrevendo entre os anos de 1901 e 1902 as Cartas de Longe, crônicas que mostram suas impressões ao chegar a Lisboa, onde passa algumas semanas, e relatos sobre sua estadia em Paris. São esses textos que começam a mostrar o estilo de escrita que João Affonso desenvolverá a partir daí na Folha do Norte, jornal do qual ele se torna colaborar até o final da década de 1910, ficando conhecido como Joafnas. Teatro, artes, desenho, pintura, ciência, cotidiano e história, tudo isso caminhou diretamente para as colunas que o autor escreveria na Folha do Norte a partir da primeira década de 1900. De correspondente de assuntos variados, João Affonso passa a ser um propagador de ideias na Folha do Norte, utilizando toda a sua base teórica misturada às novidades que ele obtinha através dos periódicos locais e internacionais para conversar aos domingos de forma leve e inteligente sobre os mais diversos assuntos que se possa imaginar.
Não Cuspa No Chão, As Fealdades da Formosa Belém, Telegraphia
Interplanetária, O Desenho ao Mesmo Tempo que o ABC, Do Convento ao Theatro e
Amor Latino e Amor Londrino são alguns dos textos que João Affonso publicaria
na Folha do Norte. Além da coluna semanal, até o final da década de 1900, João
Affonso assinava como Pimentão uma pequena coluna chamada Conversa Fiada, Folha
do Norte, 24 de maio 1914.
Dedicada quase que exclusivamente para denunciar problemas da
administração pública, principalmente em relação aos bondes elétricos, que já
faziam parte de uma Belém urbana e com uma área central mais organizada pela
administração de Antônio Lemos18. Mas e a moda? O desenvolvimento do espaço
urbano tem consigo o desenvolvimento do fenômeno da moda. Em Belém, por
exemplo, lojas como Leão do Norte e Paris N ́America são exemplos de grandes
magazines que conectavam os consumidores paraenses aos produtos principalmente
de origem francesa.
Também funcionava em paralelo, um intercâmbio de informações com publicações importadas e jornais de moda como A Moda Elegante, anunciado, por exemplo, na Folha do Norte durante o ano de 1879. Os primeiros textos que João Affonso escreveria efetivamente sobre o assunto “moda”, O Comércio da Modas, foi publicado em 1914 na Folha do Norte.
Também funcionava em paralelo, um intercâmbio de informações com publicações importadas e jornais de moda como A Moda Elegante, anunciado, por exemplo, na Folha do Norte durante o ano de 1879. Os primeiros textos que João Affonso escreveria efetivamente sobre o assunto “moda”, O Comércio da Modas, foi publicado em 1914 na Folha do Norte.
Anteriormente, outros textos como O Imperecível Cartola, As mulheres de
calções através da Geografia e da História, Da cor branca no prazer e na dor e
Por amor aos penduricalhos, têm relação direta com o tema e são exemplos de
como João Affonso tinha uma aptidão para construir crônicas curiosas, cheias de
referências, e que passeavam pela história com facilidade e humor. Podemos
dizer que a moda sempre esteve presente na carreira de João Affonso, não só
pelo fato de que ela era peça fundamental para escritores da geração realista,
que descreviam em seus parágrafos todas as nuances de um traje, mas também pelo
lugar que a moda tinha na caricatura do século XIX. Segundo Herman Lima, “de um
modo geral, pode-se dizer que nenhum dos nossos pinta-monos foi indiferente a essas
manifestações de jovial hostilidade ao belo sexo”. Interessavam aos
caricaturistas todos os excessos que muitas mulheres cometiam em nome da moda
vigente. Era na exploração do “ridículo” que os caricaturistas desenhavam a
moda, além é claro, do papel que a moda tem como fator de diferenciação social,
que não afeta apenas as mulheres. É sobre o uso da moda como status entre os
homens que em A Flecha será publicada em 1879 uma ilustração de João Affonso
com texto de Arthur Azevedo, mostrando o Pelintra, um “typo” conhecido que
apesar de se vestir bem, não teria dinheiro algum, usando a moda como uma
máscara para a ascensão social. Cinco anos depois, n ́A Vida Paraense, João
Affonso mistura poesia e moda nas Oitavas de Bom Tom, um verso ilustrado com figurinos
de época que mostra como a beleza da moda teria relação com a métrica da
poesia. Falar de moda em si não era tão comum ainda, mas a moda estava nos
figurinos de teatro, nas fantasias de carnaval, e nos trajes dos diversos
desenhos feitos por ele.
A moda como um assunto de discussão, de certa forma mais
aprofundado, só chega na trajetória de João Affonso após sua viagem para a
França em 1901. Ainda em Portugal, ao chegar, em uma de suas Cartas de Longe o
intelectual discute as características do traje camponês, e já em Paris João
Affonso se surpreende com o desenvolvimento da tecnologia para fabricação de
seda artificial a partir de fibras de celulose apresentada em exposição do
Grand Palais. Talvez o contato direto com a importância que à moda têm para a
sociedade francesa, João Affonso tenha aberto seus olhos para esse campo de
conhecimento, e assim a moda começou a figurar mais em seus textos. Em 1914,
quando ele escreve O Comércio das Modas, João Affonso começa com o seguinte
parágrafo: Quem olha para o que se passa em torno de si sem o propósito de
aprofundar as coisas, suporá, talvez, que umas tantas manifestações da
atividade humana, por sua aparente inutilidade, por sua futilidade mesmo, não
têm a importância precisa para serem tomadas em consideração.
Apesar de o autor considerar a
futilidade da moda como uma realidade, o que para Roland Barthes é um mito que
atrapalhou bastante o desenvolvimento acadêmico dos estudos sobre moda, João
Affonso mesmo assim manifesta que a moda tem uma importância que merece ser
estudada. A moda, assim como Silvio Romero fala sobre a literatura, tem relação
direta com todas as outras manifestações criativas de uma sociedade, e o
cruzamento de informações é a base principal para a construção das ideias de
João Affonso em seus textos, e em seu livro Três Séculos de Modas. João
Affonso, já no início do século XX, perderia todas as suas riquezas devido a
problemas em sua firma comercial, motivo que o fez voltar à Belém, mas sua
paixão por livros e periódicos colaborou para que o intelectual construísse um
patrimônio intelectual muito mais importante.
Em 1914, no texto Curriculim Vitae, onde faz um percurso de sua carreira até o momento, João Affonso conclui: “Posso, pois, dizer que este é meu testamento, que à falta de bens da fortuna, e com um exemplo que me dignifica, lego com a minha biblioteca, a meus netos... para quando tiverem vinte anos”. Foi essa biblioteca, o grande patrimônio que João Affonso deixou e que segundo sua bisneta Maria Beatriz está espalhada pelas coleções pessoais de Flávio Nassar, Célia Bássalo e da Biblioteca Arthur Vianna, que construiu toda a obra de João Affonso, principalmente em seu livro Três Séculos de Modas, onde encontramos uma extensa bibliografia de publicações nacionais e internacionais como os livros Costume in France e Um Siécle de Modes Féminines - 1794-189 e publicações como L ́Illustration (1902-1915), La Femme Chic à Paris (1915), La Vie Parisienne (1882), A Estação (1880-1898), A Moda Elegante (1897), Au Bon Marché – Novidades da Estação (1914-1915) e O Espelho (1915-1916).
Em 1914, no texto Curriculim Vitae, onde faz um percurso de sua carreira até o momento, João Affonso conclui: “Posso, pois, dizer que este é meu testamento, que à falta de bens da fortuna, e com um exemplo que me dignifica, lego com a minha biblioteca, a meus netos... para quando tiverem vinte anos”. Foi essa biblioteca, o grande patrimônio que João Affonso deixou e que segundo sua bisneta Maria Beatriz está espalhada pelas coleções pessoais de Flávio Nassar, Célia Bássalo e da Biblioteca Arthur Vianna, que construiu toda a obra de João Affonso, principalmente em seu livro Três Séculos de Modas, onde encontramos uma extensa bibliografia de publicações nacionais e internacionais como os livros Costume in France e Um Siécle de Modes Féminines - 1794-189 e publicações como L ́Illustration (1902-1915), La Femme Chic à Paris (1915), La Vie Parisienne (1882), A Estação (1880-1898), A Moda Elegante (1897), Au Bon Marché – Novidades da Estação (1914-1915) e O Espelho (1915-1916).
O livro Três Séculos de Modas, que
deveria ter sido publicado em 1916, data do tricentenário da cidade de Belém,
acabou saindo apenas no ano de 1923, mas em 13 de maio de 1917 abriu na
Associação de Imprensa uma exposição de João Affonso com 56 quadros em
aquarela, nanquim e crayon mostrando as mudanças da moda entre 1616-1916. Na
exposição, pioneira na cidade (talvez até os dias atuais), os convidados
receberam uma plaquette explicando todos os desenhos, que fizeram
posteriormente parte da edição impressa do livro, e a ideia foi bem recebida
pelos colegas do jornal Folha do Norte. Apesar das dificuldades, João Affonso
não só conseguiu lançar seu único livro, e o primeiro sobre história da moda no
país, mas também posicionou a moda dentro de um contexto de exposição artística
inovador para o período, colocando-a como uma pauta de discussão para a
sociedade intelectual. É certo, depois de tudo o que vimos até aqui, que a
formação crítica de João Affonso e sua curiosidade sobre os mais diversos
assuntos foram de extrema importância para que o autor pudesse construir uma
obra muito interessante não só para a moda, mas para outras
diversas áreas. Em um de seus textos, de 1909, João Affonso faz o seguinte
questionamento: Falta aparecer – assim me exprimo por não me constar que haja
aparecido – o estrangeiro que trate do Brasil e do brasileiro sob outro ponto
de vista, por exemplo do papel que nos está reservado na civilização universal,
quando atingirmos o nosso completo desenvolvimento como sociedade policiada,
atendendo aos antecedentes étnicos, os elementos heterogêneos da raça, e as
suas tendências atuais. Seria, nesse caso, voltar aos primitivos métodos de
ciência pura, com a diferença que em vez de história natural, desta vez
dar-nos-iam um pouco de história social. Esse olhar para a sociedade
brasileira, apesar de pouco explorado no livro Três Séculos de Modas, que se
atêm mais fortemente as direções da moda impostas pela França na história, é
uma das principais características do resto do trabalho de João Affonso,
preocupado com o reconhecimento e desenvolvimento da sociedade brasileira.
Assim como no pioneirismo como escritor de história da moda, talvez João
Affonso não soubesse que também, em sua carreira, estaria fazendo uma “história
social”. Segundo Paulo Mendes o livro Três Séculos de Modas encerra culturalmente
o século XIX. Ele é um retrato do que foi esse período de ideias e mudanças
políticas, sociais e econômicas muito importantes, e curiosamente, é apenas uma
parte da obra e da trajetória de João Affonso. Resgatar a história de João
Affonso, que deixou uma inegável contribuição para a imprensa como um cronista
e historiador, é evidenciar toda a pluralidade dos intelectuais brasileiros do
século XIX, resgatando a história do país e mostrando o quando a moda, como
poucos ainda pensam, é um assunto importante já há muito tempo. Por isso, nada
mais gratificante que entender a cada percurso da pesquisa um pouco mais sobre
uma pessoa que têm muita importância nesses dois contextos, João Affonso do
Nascimento, o maranhense que foi carinhosamente adotado por Belém, e que mesmo
tendo no Rio de Janeiro uma rua em seu nome, ainda merece muito mais respeito e
reconhecimento. Cultivando e amando as letras jornalísticas, o chorado morto
foi uma das mais festejadas e luminosas penas que têm passado pela imprensa paraense.
As suas crônicas, as colunas que escrevia, atraíam pelo brilho, pelo humor
sadio que delas irradiava.
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