Foram quase quatro meses de silêncio e espera pelo desfecho da novela Honda, que se tornou Brawn GP após todas as incertezas. Neste período, ele chegou a ser considerado aposentado da Fórmula 1 e até colocado em outras categorias. Eis que, no dia 6 de março, para a surpresa de muitos, ele é confirmado como piloto da nova equipe, ao lado de Jenson Button.
Recordista de GPs disputados na história da categoria, Rubens Barrichello falou, por telefone, com o GLOBOESPORTE.COM direto de sua base na Europa: sua casa em Faro, Portugal. O brasileiro se mostrou muito otimista com os bons resultados obtidos nos testes de Barcelona, a primeira comparação da Brawn GP com as rivais. Além disso, o bom ambiente e a liberdade dentro do time deixaram o piloto animado.
- Fiquei muito feliz com o desfecho da história. Depois de quatro meses de espera e ansiedade, tinha muita confiança que a coisa ia sair com o Ross Brawn. Espero um campeonato de muita vibração e de pódios. Se Deus quiser, até mais - diz Barrichello.
GLOBOESPORTE.COM: O desempenho deste carro impressionou nos primeiros testes. É verdade que este projeto começou a ser desenvolvido em maio de 2008?
Rubens Barrichello: Tendo em vista que os resultados de 2008 não seriam agradáveis porque sabíamos que o carro não era bem-nascido, eles começaram a trabalhar naquela época. Inclusive, no meio da crise, quando a Honda anunciou a saída da Fórmula 1, ela deixou bem claro que continuaria a fornecer o dinheiro necessário para que o modelo fosse desenvolvido até março, data-limite para achar um comprador.Tive de renegociar totalmente meu contrato. Este é completamente novo. Mas a renegociação veio na época da crise. Ganho atualmente cinco vezes menos, mas tenho bônus por pontos. Então tenho de me esforçar para recuperar"
A fábrica não parou no período em que a equipe estava à venda?
Em momento nenhum. Existiu apenas um período, de mais ou menos dez dias, em que houve uma certa dúvida, na época do anúncio da saída da Honda. Mas foi apenas neste tempo. O carro sempre foi evoluído.
Após estes testes, como você compararia os motores Honda e Mercedes? A diferença entre eles é muito grande?
É muito difícil fazer esta comparação. Hoje em dia, o regulamento exige que o motor vá apenas até 18 mil giros. No ano passado eram 19 mil. Então, fica difícil fazer uma comparação mais direta.
Quais são seus planos e os da equipe para a temporada? Depois deste bom início, dá para esperar vê-lo no pódio com frequência?
Fiquei superfeliz. Depois de quatro meses de espera e ansiedade, tinha muita confiança que a coisa ia sair com o Ross Brawn. Espero um campeonato de muita vibração e de pódios. Se Deus quiser, até mais.
Você sempre disse que o título é seu objetivo. Com este carro dá para sonhar?
Acho que ainda é muito cedo para pensar nesta questão. Qual sempre foi meu sonho? Ser campeão do mundo. Queria sair da Ferrari e achar um ambiente de liberdade em outra equipe, onde pudesse fazer apenas o que sei. Neste sentido, tenho tudo isso agora. Preciso trazer tudo à tona para que as coisas deem certo.
Quanto tempo você ainda planeja ficar na categoria, já que é o mais experiente da F-1?
Olha, fisicamente estou melhor do que nunca. A maior prova disso foram os quatro meses que não tive contato com o carro. Achei que iria sofrer bastante. Fiquei muito surpreso. A verdade é que não tenho pensado muito sobre o futuro. Tinha algo que me dizia positivamente que não pararia de correr no fim do ano passado. Segui em frente com meu pensamento, com minha fé. Estou sentado em um carro ótimo em uma temporada que pode ser a melhor da minha carreira.
Este é o melhor ambiente que você já encontrou em uma equipe na Fórmula 1?
Diria que sim, apesar de que sempre adorei a equipe Stewart. Era um ambiente muito benéfico, na Jordan também era muito bom. Na Ferrari, tudo era voltado para o alemão (Michael Schumacher, heptacampeão da Fórmula 1). Volto a ter a liberdade de expressão dos últimos três anos, quando, infelizmente, era um carro muito ruim. Este momento que vivo agora é de glória.
Quais os pilotos e equipes que você aponta como favoritos para 2009?
Diria que a Ferrari é muito forte. Tanto o Felipe quanto o Kimi andaram bem nos treinos. Daquilo que vi em Barcelona, a BMW e a Toyota estão na briga também. Essas três equipes estarão lutando pelas seis primeiras posições, mas acredito que a Brawn está neste bolo.
Como ficou definida a questão do seu salário? Sofreu algum corte?
Tive de renegociar totalmente meu contrato. Ele acabou no ano passado e este é completamente novo. Mas a renegociação veio na época da crise mundial. Ganho atualmente cinco vezes menos, mas tenho bônus por pontos. Então preciso me esforçar na pista para poder recuperar.
Por falar em dinheiro, você sabe como está a busca por patrocinadores para a Brawn?
Para falar a verdade, ainda não entrei no mérito. A equipe está com o carro branco e me parece que, se nada acontecer nos próximos dez dias, correrá em Melbourne assim.
Quais as semelhanças entre a Stewart de 1999 e a Brawn de 2009, além de dois donos de renome na Fórmula 1? A expectativa, com um carro bem-nascido, é similar?
Acredito que sim. Um ano como aquele tem semelhanças com o de agora, mas acredito que temos uma estrutura mais forte do que aquela familiar de 1999, por toda a experiência vivida. A equipe não é nova, não temos um novo começo. O time já existe, tem experiência e o Brawn também. Vejo uma situação melhor em 2009.
Dos seus 17 anos de carreira, em sete você esteve ao lado de Ross Brawn. Vocês desenvolveram uma relação especial?
Tenho total simpatia com os métodos de trabalho do Ross. Acredito que a escolha por mim e não pelo Bruno Senna começou na época da Ferrari. Não foi decidida agora.Devo dizer que tem alguns veículos que, infelizmente, por falta de informação, acabam inventando coisas e prejudicam o conhecimento do público. Até minha família me ligava para perguntar"
A relação mudou se compararmos a época de Ferrari com a Honda e a Brawn?
Na época da Ferrari, ele era muito próximo ao Schumacher também. Hoje em dia, temos um relacionamento excelente.
Em algum momento você teve medo de não acertar com a Honda ou a equipe que nascesse do time?
Tinha contatos com outras equipes, uma palavra forte do próprio Ross Brawn. Mas tudo podia acontecer. Não tenha dúvidas que passei por bons e maus bocados. Não foram só maravilhas.
Você tinha algum plano B? Onde você correria em caso de não acertar com a Honda? Ficaria um ano parado?
Tinha contatos com a STR, mas foi só. E se não corresse de Fórmula 1, eu sempre deixei bem claro que tiraria um ano sabático, não faria nada. Apesar disso, muita gente explorou os rumores da Stock Car, mas não era meu plano no momento.
Algumas pessoas no Brasil chegaram a colocar você nos Estados Unidos e até na Stock Car. Existiu algo neste sentido? Você em algum momento negociou ou cogitou uma ida para a Stock?
Nunca. Não cheguei a mexer em nada deste lado. E devo dizer que existem alguns veículos que, infelizmente, por falta de informação, acabam inventando coisas e prejudicam o conhecimento do público que gosta, que lê e que segue. Até minha própria família me ligava para perguntar. E não tinha nada de verdade. É uma pena que eles sigam para este lado e que falte até um pouco de apoio, porque chegaram a me dar como finalizado na Fórmula 1.
Qual o conselho que você daria a Bruno Senna? Você acha que ele tem chances de sucesso na Fórmula 1?
Para te falar a verdade, a disputa com o Bruno nunca foi incômoda. Calhou de termos brigado pela mesma vaga. Nunca tive problemas, sempre fomos amigos. É uma pena ter acontecido justo com ele. Pela pouca experiência que tem, o Bruno será um grandíssimo piloto, com um bom futuro na Fórmula 1, além de um nome que pode ajudar. Ainda vejo muito sucesso para ele.
A Honda é uma marca tradicional no automobilismo, ligada inclusive a vários títulos brasileiros na Fórmula 1, mas não obteve êxito nesta última tentativa. Na sua opinião, quais eram os principais problemas enfrentados nestes três anos?
Acho que era um conjunto de fatores, de cultura, de língua. Não eram coisas sem solução, mas o acúmulo de problemas durante os anos. Muitos trabalhos eram realizados no Japão, outros na Inglaterra. A equipe não progrediu da forma que eles queriam. A Honda fez muito pela Fórmula 1 e teve momentos de glória, mas dentro da equipe a gente sempre sofreu muito com alguns problemas de motor, no sentido de falta de potência, e de dirigibilidade. Na hora em que estava tudo certo, era o carro que não estava bem. O problema, de repente, foi a falta de uma combinação ideal.Não tenho saudades de ter um carro competitivo sabendo que as coisas não vão ser feitas para mim, mas para outras pessoas"
Em 2006, você chegou a falar em título após sua primeira pré-temporada com a Honda e os bons resultados obtidos. O que deu errado naquele ano?
Naquele ano foram alguns problemas, principalmente para mim, como a falta de evolução ao longo do ano. Era uma equipe muito diferente da atual. Não dá para achar que acontecerá o mesmo agora. A realidade é que a gente não evoluiu em 2006 e, para mim, principalmente, tive dificuldades com os pneus Michelin nas corridas.
Quais suas maiores realizações e desilusões nos três anos em que correu na Honda?
Acho que cresci muito como piloto, como ser humano. O que trouxe para a equipe está sendo usado e muito bem usado. Mas os últimos dois anos foram péssimos. O carro não era bom. Isto foi uma desilusão. Mas acho que não existem coisas ruins na vida. Tentei aproveitar o momento negativo para aprender e crescer na hora certa.
Em entrevista ao repórter Pedro Bassan, da Rede Globo, você disse que era um cara iluminado. Em quais situações da sua carreira você viu isto claramente?
A verdade é que a pergunta não foi por aí. Ela foi feita ao Felipe Massa, sobre o que ele achava da minha posição atual e ele disse que eu era uma pessoa iluminada. Aí me perguntaram e confirmei. Sempre fui, pelo lado familiar, pessoal, de corrida. As pessoas que me apontam como uma pessoa sem sorte não têm noção do que estão falando. Sempre trabalhei muito para ter um futuro melhor e seguir o meu destino. Acho que esta grande assinatura de contrato se deve à minha grande fé e ao trabalho realizado pela equipe. É até um momento que acaba calando a boca dos críticos. A verdade é que sempre me senti assim, nunca tive medo de enfrentar problemas. É com eles que a gente pode crescer na vida. Sou sim uma pessoa iluminada.
Essa fama de azarado te incomoda?
Não. Só me incomoda aquilo que vejo de defeito em mim. São coisas que preciso melhorar. Não consigo te nomear exatamente o quê, mas procuro melhorar as coisas que erro. Nestes quatro meses, por exemplo, 80% do que disseram eram inverdades.
Você está completando neste mês 20 anos de automobilismo (Fórmula Ford, em 1989). Quais as diferenças do Rubinho daquela época para o Rubens de hoje?
O Rubinho daquela época era um cara com muito talento, pouca experiência e muito jovem. Hoje em dia tenho aquela velocidade, talvez com um toque ainda melhor, com muito mais conhecimento, sabedoria, colocando a energia nas coisas certas. Neste sentido, hoje sou muito melhor.
Você sempre foi um cara que demonstrou suas emoções, sem medo. Este teu jeito te ajudou ou atrapalhou? Por quê?
Acho que meu início de carreira teve um lado muito familiar, muito emotivo. Eu me despreguei disso para ter um crescimento profissional há muito tempo. A verdade é que não tenho vergonha em chorar no pódio, nas horas em que tenho de chorar. Mas hoje em dia trabalho muito mais com a razão do que com a emoção.
De alguma forma, sente saudade da época da Ferrari?
Hoje em dia, não. Guiando o carro que estou guiando... Não tenho saudades de ter um carro competitivo sabendo que as coisas não vão ser feitas para mim, mas para outras pessoas. Neste sentido, estou muito mais tranquilo.
Você se arrependeu de ter trocado a Ferrari pela Honda no fim de 2005?
Acho que, na vida, a gente tem de aprender com tudo. Agora, querer mudar não vai ser possível. Então não faz sentido remoer o passado. O negócio é reiniciar e traçar um novo futuro. Vejo as coisas desta forma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário