segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O pernambucano Silvio Meira segue as pegadas de Steve Jobs



A ciência é a mãe de todas as coisas e o cientista o seu parteiro

Já faz algum tempo que venho acompanhando através de entrevistas e de materiais disponíveis na Internet, o trabalho que vem sendo desenvolvido no estado de Pernambuco, pelo cientista da informação e professor Silvio Meira, um dos criadores do Porto Digital do Recife, que atualmente gera sete mil empregos e 3,9 do PIB pernambucano.
Para os não iniciados em tecnologia da informação eu explico o que vem que vem a ser um Porto Digital. Porto Digital é um pólo de desenvolvimento de softwares.
O pólo de tecnologia do Recife já está consolidado como um dos maiores do país, totalizando 173 empresas em 2010, entre elas multinacionais como Motorola, Borland, Oracle, Sun, Nokia, Ogilvv, IBM e Microsoft. Em 2010 esse pólo gerava cerca 6,5 mil empregos e sozinho correspondia a 3,9% do PIB do estado de Pernambuco.
Para conhecer mais e melhor um cientista e professor, que em entrevista ao jornalista Roberto D’Ávila, disse que ainda permanece na sala de aula, porque com os estudantes ele aprende e é obrigado a viver sempre atualizado e com a sua mente aguçada - é que recorri a essa entrevista que segue, transcrita da revista mensal Marie Claire e concedida à jornalista Milly Lacombe.

  
Ele enxerga o que está por vir. Para ter acesso ao futuro, em vez de recorrer aos búzios ou às cartas, foi estudar em Londres, de onde voltou com um doutorado em ciência da computação. Hoje, pesquisador científico da ONU, passa o ano viajando pelo mundo para dar aulas e palestras sobre o amanhã. Fomos atrás de Silvio Meira para tentar entender se o que nos espera é um cenário melhor ou pior do que o atual.
A fim de dar uma espiada no amanhã, fui ao encontro do futurólogo Silvio Meira, 53, pernambucano, doutor em ciência da computação pela University of Kent, Inglaterra, e consultor do Programa da ONU para desenvolvimento científico e tecnológico -entre muitas outras coisas. Numa terça-feira bem cedo, encontrei o cientista no saguão do moderníssimo hotel Unique, em São Paulo. Vestido como um universitário, barba por fazer, casado e pai de três filhos, o professor da Federal de Recife, muito intrigado com a aparência ancestral de meu gravador à pilha e fita cassete, começou a pintar uma imagem do futuro que, dependendo de algumas decisões que tomarmos hoje, poderá ser poética ou apocalíptica. Se optarmos pelo caminho certo, daqui a 30 anos, estaremos morando em vilas, passando mais tempo com nossos filhos e viajando apenas para fazer turismo. Se optarmos pelo caminho certo, em 30 anos, nós, mulheres, teremos conseguido, definitivamente, resolver a equação casa/família/realização profissional e não andaremos pelo mundo carregando as culpas de hoje e o sentimento de estar, todos os dias, em falta com alguma coisa. Se optarmos pelo caminho certo, a tecnologia virá nos libertar e não nos aprisionar. O mundo do futuro, segundo Silvio e apesar de evidências que indicam o contrário, será mais simples. Mas, para chegar lá, é essencial tomarmos, agora, as decisões certas e assumirmos responsabilidade por todas as nossas ações. Caso contrário, o amanhã simplesmente não existirá.

Marie Claire Em um artigo publicado na revista 'Wired' e assinado pelo renomado cientista americano Bill Joy, cofundador da Sun Microsystems, um dos cenários possíveis é o do futuro totalmente dominado pelas máquinas. Como isso seria possível?
Silvio Meira
Dou um exemplo. Num mundo ideal seremos servidos por máquinas inteligentes que nos levarão de um ponto a outro por capacidade própria. Mas imagina essa situação: Milly e Silvio querem ir para o hotel Unique e os carros se recusam a levá-los. Esse é o risco sobre o qual Joy falou no polêmico artigo 'Por que o Futuro não Precisa da Gente'.

MC E por que os carros se recusariam a nos levar?
SM
Porque teríamos controles sociais que limitariam nossas ações. Alguém diria ao sistema: 'Não atenda ao chamado de fulano para fazer tal coisa'.

MC Quem diria isso ao sistema?
SM
Nesse cenário de Joy, existe uma elite que vai dominar a máquina e controlar você. Essa elite se chama programadores.

MC Você vai se dar bem no futuro.
SM
[Risos] Veja, tem uma pancada de carros hoje que está começando a vir de fábrica com limitador eletrônico de velocidade. Isso é o que? É um software no motor que diz que você não vai poder passar de 120. Se é um software, você pode reprogramar, mas só uma elite tem esse conhecimento.

MC E a gente? Os que não sabem programar?
SM
Dentro de 15, 20, 30 anos, se você não souber programar, estará alienado da sociedade. Será como o analfabeto hoje. Outro dia, vi um senhor, um pedreiro, tentando tirar o salário da semana, que era alguma coisa como 115 reais. E o caixa automático dizia para ele que não poderia dar o dinheiro porque não tinha nota de 5 nem de 10. Ele só poderia tirar 100 ou 120. Como é que ele vai entender que aquele troço se recusa a dar o salário da semana? Ele não conseguia se conformar.

MC Ficaremos a cada dia mais escravos do sistema?
SM
Você navega na internet, ou usa o cartão de crédito ou de débito, ou usa o Sem-Parar nas estradas… tudo o que você faz começa a ficar registrado no sistema. Resultado: daqui a 10, 15 anos, o sistema terá uma pirâmide de informação a seu respeito, o que você gosta de fazer sexta à noite, onde compra comida etc. Mas tem uma linha filosófica nos Estados Unidos que diz: 'Escuta, a humanidade é baseada no esquecimento. É parte do nosso modelo de vida social esquecer daquilo que ficou irrelevante. E os sistemas de informação precisam esquecer paulatinamente das coisas também'. Essa discussão é fundamental para determinar em que tipo de mundo viveremos. Agora é a hora de a humanidade começar a conversar sobre como regular essa coisa toda.

MC Caso contrário, as máquinas que deveriam nos estender acabarão nos limitando?
SM
Olha em volta: esses celulares que estão em cima da mesa são software, sinal de trânsito é software, a ignição do seu carro é software, o elevador é software. Então, na hora em que essa tecnologia permeia todas as coisas que você usa no dia-a-dia, você não consegue mais escapar dela. Se um dia, como imaginamos, o dinheiro for completamente virtualizado e todas as suas transações forem conhecidas, corremos o risco de ver instituições pautando nossos hábitos. Por exemplo: o sistema identifica que Silvio Meira está, por motivos diversos, dentro de nível de risco de cirrose elevado e que, se ele contrair a doença, custará muito caro à instituição. Então, o sistema determina que ele só pode tomar duas doses de whisky por noite. Eu vou a um bar, peço a terceira dose e o garçom me diz que eu não posso mais. Se o sistema registrar absolutamente tudo sobre você, sem nunca esquecer nada, eu não vou poder tomar a terceira dose.

MC Seria o fim da liberdade.
SM
Escuta, ninguém nunca prometeu que a tecnologia nos libertaria. A tecnologia não tem alma, não tem caráter nem ética. Se você tem carro, você tem tanques de guerra, se tem avião, tem bombardeios. Digamos que, se alguém estiver realmente interessado em você, você está ferrado. Porque você sai, todos os dias, deixando rastros. O cartão de crédito que você usou no posto diz o que você fez e onde estava, o Sem-Parar do pedágio diz onde e quando você passou por lá, seu celular sabe informar exatamente onde você está num raio de algumas centenas de quilômetros. Então, é fácil virar um paranoico.

MC O futuro está me parecendo um lugar altamente controlador.
SM
Sou patologicamente otimista e essencialmente revolucionário. E um número grande de pessoas é assim. Toda vez que o sistema aperta, esse povo não cabe dentro e aí ele é obrigado a esticar. A geração 60 mudou o mundo por não caber mais dentro dele. Aquele mundo em que eles viviam era o mundo que tinha vindo do século 19, com todos os grilhões do século 19. Os descontentes sempre mudarão o mundo.

MC As camadas menos privilegiadas terão acesso a toda essa tecnologia?
SM
Já têm. Quando você pega um cartão do Bolsa Família e vai tirar dinheiro no caixa, tem um mundo de tecnologia ali, desde o caixa até o registro da pessoa num computador central do governo, passando por assinaturas digitais. Ninguém vai escapar.

MC E como será feita essa entrevista daqui a 30 anos?
SM
Mediados por tecnologia da informação, a gente teria essa conversa da seguinte forma: você e eu temos uma lente de contato que é uma câmera de vídeo e áudio e também é celular e está conectada à internet. Estaremos conversando aqui em duas bases de dados diferentes: a da sua conta de celular e a da minha. As duas gravarão a conversa. Isso não vai ser em 30 anos, vai acontecer em 15. Aliás, se no lugar das lentes usássemos óculos, já poderíamos fazer isso hoje. A tecnologia para isso está pronta em laboratório.

MC E o que falta para essa tecnologia ficar disponível para o público?
SM
Achar o ponto de equilíbrio entre qualidade e preço. Isso custaria hoje centenas de milhares de dólares.

MC Daqui a 20 anos, como será a vida de uma mulher de classe média, casada, com filhos, que trabalha fora?
SM
A cidade estará cada vez mais compartimentada em pequenos núcleos urbanos altamente conectados do ponto de vista da informação, de maneira que ela precisará se mover o mínimo possível. Não tem a empregada e a lista do supermercado básica será entregue sem a necessidade de fazer o pedido, que já estará registrado, regularmente. Os alimentos já virão semiprontos e preparar vai ser trivial. A escola das crianças será em tempo integral e muito perto de casa, e ela não vai precisar levar nem buscar as crianças. A escola se encarregará do leva-e-traz. O dinheiro não será mais físico. Uma leitura rápida de você, pela digital ou pelo olho, vai dizer quantos créditos ainda tem para comprar determinado serviço no ponto de venda que você está. Não andaremos mais com um cartão para provar que somos nós mesmos, o sistema nos reconhecerá através desse tipo de leitura. O documento vai morrer: você será seu documento. As reuniões serão feitas da casa dela, ou em um escritório de aluguel que ficará perto da casa dela. Para uma reunião de trabalho, ela não precisará estar fisicamente presente. Sua presença se dará de outra forma: o virtual dela, um avatar. E, a menos que ela tenha que tocar nas pessoas que estão nessa sala virtual com ela, o encontro não será diferente de um encontro real hoje. Daqui a 20 anos a gente vai ter em casa internet com 1 gigabite por segundo, no mínimo. É mil vezes o que temos hoje. Poderemos virtualizar coisas com uma qualidade que fica imperceptível ao olho nu saber se aquilo está ali fisicamente ou não.

MC Seremos pessoas mais isoladas?
SM
Quantas horas você perde por dia dentro do carro no trânsito indo e vindo? Três, quatro? Imagina recuperar isso? Você pode ir para o clube, visitar amigos, fazer jantares na sua casa, ver a família todos os dias. Em vez de ruas mais largas e mais viadutos, precisamos de uma menor necessidade de deslocamento. Isso é fundamental para a sobrevivência da cidade. Essa coisa de ter que se mover para o trabalho é da revolução industrial. Você ia porque os meios estavam lá. Hoje eu faço reuniões com meus alunos quando estou na Europa e eles aqui pelo skype. E olha que o skype é uma ferramenta primária.

MC Valerá a pena viver para ver?
SM
Eu vejo um mundo mais humano, mais simples, mediado por tecnologia para fazer com que eu volte a viver na minha vila, para que eu volte a andar para a padaria, para que eu tenha mais tempo para meus filhos. Moraremos em uma vila conectada. As pessoas dizem que o passado era ótimo, que as pessoas viviam em paz nas suas aldeias, que tudo era melhor. Era mesmo? A expectativa de vida era de 35 anos, 50% dos recém-nascidos morriam no primeiro ano de vida, e por aí vai.

MC E o que me garante que haverá futuro?
SM
A gente já sabe que ter usado combustíveis fósseis, como o petróleo, para mover a sociedade até aqui foi um megaerro. Precisamos descobrir como reverter e controlar isso antes que o planeta imploda. Por exemplo, a gente tem um nível de ruído hoje no fundo do mar que é tão alto que está levando cardumes de baleias a encalharem nas praia porque eles não conseguem mais se comunicar, eles dependem de comunicação remota e o ruído que estamos fazendo com tanto movimento de embarcações está confundindo esses caras. E se a vida no mar morrer? Quem desaparece quando essas criaturas desaparecerem? É urgente que se consiga controlar e reverter esse quadro. Caso contrário, esse futuro sobre o qual falamos não chegará.

MC Como a tecnologia pode ajudar?
SM
Diminuindo o movimento de pessoas pelo planeta em, por exemplo, viagens de negócios, idas e vindas do trabalho etc., que é um dos maiores motivos da carga de aquecimento térmico. Diminuindo a carga ambiental das coisas. Como? Identificando-se todas as embalagens e informatizando o planeta de tal maneira que é possível ir atrás de uma empresa que produz sabonete e dizer: 'Escuta, 70% de suas embalagens estão espalhadas por aí como lixo. Seu custo ambiental por essa é tanto.' Nesse caso, ou a empresa faz uma embalagem que se degenere sozinha, ou recupera as embalagens perdidas, ou treina seus funcionários e clientes para recuperá-las. O responsável pelo destino final da embalagem passa a ser quem a produz. É a era da responsabilidade. Agora mesmo estou fazendo um estudo para uma empresa no Brasil sobre como informatizar embalagens. Olha em volta, o futuro já chegou.

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