DENISE CHRISPIM MARIN, ENVIADA ESPECIAL / CARACAS - O Estado de S.Paulo
A ausência de insumos e de pessoal
para operar equipamentos na área de cardiologia dos hospitais públicos da
Venezuela já causou a morte de 235 pessoas nos últimos seis meses, segundo a
organização Médicos pela Saúde. A escassez levou hospitais de referência a
declararem-se tecnicamente fechados.
Mesmo diante das pressões de médicos e de pacientes, o governo
de Nicolás Maduro mantém a aposta de seu antecessor, Hugo Chávez, no sistema de
assistência popular Bairro Adentro. Coordenado pela Embaixada de Cuba em
Caracas, seu orçamento nunca foi divulgado.
Nos últimos meses, a Médicos pela Saúde organizou passeatas para
exigir material de trabalho nos hospitais públicos, que atendem a cerca de 80%
da demanda civil. Em vários deles, funcionários pediam aos pacientes para
trazer materiais básicos, agulhas de injeção e gaze. Em outros, as salas de
cirurgias foram fechadas.
O Ministério da Saúde, em 2012, informou terem reduzido 25 mil
leitos em hospitais públicos, em comparação com os disponíveis no fim dos anos
90, como consta em pesquisa dos economistas Silvia Salvato e Eduardo Añez.
Parte da crise tem sido atribuída ao controle de câmbio no país,
que dificulta a importação de bens. A situação foi agravada pela decisão de
cerca de 700 fornecedores de suspender as entregas, segundo o jornal El
Nacional, de Caracas. O governo teria dívidas com essas empresas de 764 milhões
de bolívares (US$ 13,9 milhões, no câmbio oficial, e US$ 121 milhões, no
paralelo) nos últimos cinco anos.
Referência na Venezuela, o Hospital Miguel Pérez Carreño, em
Caracas, teria capacidade para atender a todas as especialidades médicas. Há
três anos, porém, a escassez de material foi limitando o atendimento. Por falta
de reagentes para exames de hepatite B e C e para o HIV, o laboratório passou a
receber as amostras de sangue somente até as 9 horas e apenas de casos
agendados, afirmou uma médica, que preferiu não se identificar. As salas de
cirurgia estão disponíveis apenas nos fins de semana e feriados.
O Pérez Carreño não chega a expor as mesmas mazelas de hospitais
públicos brasileiros, mas faltam macas e cadeiras de rodas. A mesma médica
afirmou que os funcionários improvisam o transporte de doentes em tábuas de
madeira.
Segundo Irene González, diretora do Sindicato dos Trabalhadores
do Ministério da Saúde, além da falta de insumos, os hospitais públicos sofrem
com a falta de anestesia, de desinfetante e até de comida para pacientes. O
presidente do Hospital das Clínicas de Caracas, Amadeo Leyba, afirmou que o
apagão ocorrido há dez dias queimou vários equipamentos.
Há um ano, um aparelho de alta tecnologia para identificar
câncer está sem funcionar por razão similar. Pacientes que necessitam de
hemodiálise têm de fazer fila porque há apenas um cateter. O hospital não tem
também iodo radioativo para o tratamento de câncer de tireoide.
No Hospital Geral Dr. José Gregório Hernández, em Catia, bairro
pobre da capital, faltam oftalmologistas e cardiologistas. Os equipamentos de
neurologia, assim como o tomógrafo e máquinas para mamografia, estão desativados
por falta de pessoal preparado para usá-los. A cozinha foi fechada por falta de
higiene no ano passado.
Os medicamentos chegam ao hospital quando a data de validade
está se esgotando, segundo Olga Pulido, que trabalha ali há 33 anos como
laboratorista. Enquanto faltam analgésicos e ansiolíticos, cujo consumo
aumentou desde o início dos protestos, remédios vencidos são queimados à noite.
A única ambulância está parada por falta de peças de reposição.
"Dependendo das condições, as parturientes são transferidas", afirmou
Olga. "Aqui, estamos tecnicamente fechados."
Depois de atendido, Antonio Padilla, de 71 anos, afirmou que
teria de fazer uma urografia em uma clínica particular. O inconveniente não
seria apenas se deslocar, mas pagar pelo exame. "Não tem plano de saúde.
Vivo da ajuda financeira dos meus seis filhos e do aluguel de quartos da minha
casa", disse.
O 23 de Enero, outro bairro pobre, é um dos lugares mais
beneficiados pelo programa Barrio Adentro. Criado por Chávez em 2003 para
ampliar a medicina preventiva nas favelas e comunidades pobres com a cooperação
cubana, o Barrio Adentro é uma das joias do governo. O programa não está
atrelado ao Ministério da Saúde e seus recursos vêm de um orçamento paralelo, o
dos fundos extraordinários da estatal petroleira PDVSA, e são geridos por uma
equipe da embaixada de Cuba.
O pagamento da Venezuela por esse serviço é feito com envio de
petróleo a Cuba. Com base em dados do balanço da PDVSA de 2013, a organização
Transparência Venezuela estima que o Barrio Adentro recebeu US$ 650 milhões.
Entre 2003 e 2010, a estatal teria injetado US$ 6,3 bilhões no programa.
Yolanda D'Elia, pesquisadora da organização, diz ninguém sabe o
número de unidades do Barrio Adentro. O próprio Chávez, em 2009, informou que
50% dos módulos estavam abandonados e outros 25%, funcionando em turnos.
Tampouco se conhece o número de médicos cubanos em ação nesse
programa. O governo alega haver hoje o dobro do total de 2003, ou seja, 28 mil.
Milhares, porém, teriam fugido para outros países ou continuam na Venezuela
empregados como paramédicos em empresas privadas.
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