Afonso Bentes (Brasília)
Depois da
carta vazada, o áudio vazado. Com a divulgação "por acidente" de um
áudio em que fala praticamente como presidente, Michel Temer (PMDB) implodiu
nesta segunda-feira qualquer possibilidade de relacionamento com a presidenta
Dilma Rousseff (PT) e angariou críticas até da oposição que trabalha pela queda
da petista. O vice-presidente voltou a protagonizar momentos que talvez nem os
melhores roteiristas fossem capazes de elaborar e instalou mais uma vez a
dúvida sobre acidentes e intencionalidades estratégicas em seus gestos
públicos.
O
primeiro capítulo desta novela ocorreu em dezembro passado, com uma carta
enviada à mandatária dizendo que ele se sentia um "vice decorativo".
Naquela época, o PMDB ainda estava no Governo e o processo de impeachment tinha
começado a tramitar na Câmara dos Deputados havia apenas cinco dias. Nesta
segunda-feira, a quatro dias do início da votação da destituição da presidenta,
com parte dos peemedebistas agindo na bancada oposicionista e o placar do
impeachment ainda indefinido, veio a nova entrega. Desta vez foi um grupo de
WhatsApp de deputados do PMDB em que
Temer falava de seus planos e desafios futuros como possível líder da nação. No
áudio de 14 minutos, tornado público pelo jornal Valor Econômico, o vice
está no futuro: Rousseff já perdera a batalha do impeachment na Câmara dos
Deputados e o caso está agora nas mãos do Senado Federal, que é quem julga de
fato a mandatária. O detalhe é que a votação no plenário da Câmara está
prevista para ocorrer apenas no próximo fim de semana.
Em Brasília, alguns consideravam o episódio um
deslize calculado de Temer para passar tranquilidade aos mercados e a outros
setores de que planeja uma transição suave, com "sacrifícios" para
sair da crise, mas sem imolar os programas sociais. Outros afirmaram que o
envio da mensagem era claramente um erro do grupo do peemedebista. O ensaio
presidencial de Temer fez até a empresa de consultoria de política Eurasia
Group emitir um comunicado extra em que analisa qual o impacto da gravação. A
empresa diz que o vazamento foi "claramente negativo" ao vice e seu
entorno, mas não deve impactar de maneira importante o jogo do impeachment.
“Agora,
quando a Câmara dos deputados decide por uma votação significativa declarar a
autorização para a instauração de processo de impedimento contra a senhora
presidente, muitos me procuraram para que eu desse pelo menos uma palavra
preliminar à nação brasileira, o que eu faço com muita modéstia, com muita
cautela, com muita moderação, mas também em face da minha condição de
vice-presidente e naturalmente de substituto constitucional da senhora
presidente da República”, diz Temer em um trecho da gravação.
O vice se
dirige “ao povo brasileiro”, diz que se recolheu para não aparentar que estava
se precipitando na ânsia de ocupar o lugar de Rousseff e afirma que o país
precisa de um “Governo de salvação nacional”. A reação foi imediata, e diante
da repercussão no meio político, o vice-presidente convocou os jornalistas para
um pronunciamento de três minutos no meio da tarde. Repetiu a versão de seus
assessores: sua intenção era mandar o áudio para um amigo, não para um grupo
com dezenas de participantes e que queria se antecipar caso fosse instado a
comentar o resultado positivo do impeachment na Câmara.
De frente para o espelho
A
presidenta não fez manifestação pública, mas falou a assessores que “caiu a
máscara de conspirador” de seu vice, uma mensagem que governistas repetem à
exaustão desde o desembarque do PMDB do Governo. O ministro-chefe do Gabinete
Pessoal, Jaques Wagner, foi mais duro. Afirmou que Temer "rasgou uma
fantasia" e defendeu a renúncia do vice, caso o impeachment caia, levando
a um ponto de não retorno o rompimento com o peemedebista. "Imagino que
ele possa ter feito esta declaração vestindo a faixa presidencial em frente ao
espelho", disse. Questionado se o relacionamento entre Dilma e Temer seria
apenas o de pessoas educadas, ele refutou: "Não há educação para
conspiradores. Os conspiradores não têm código de ética".
No
Congresso, a divulgação do áudio causou espanto em governistas e
oposicionistas. Entre os aliados de Dilma o discurso era de que Temer tenta
interferir na votação do impeachment e mostra que ele está articulando para
derrubar a presidenta. “A fala é quase um ato falho. A pessoa sonha dia e noite
em ser presidente da República, só esqueceu que ele deve lançar um programa,
disputar uma eleição e se tiver votos, um dia ser presidente da República, não
através de um golpe”, ponderou o deputado Henrique Fontana (PT-RS).
O
opositor Álvaro Dias (PV-PR) afirmou que o país vive um período de deboche e mediocridade. “O vice já está
ensaiando o seu Governo, considera favas contadas o impeachment. Isso demonstra
o Governo que temos. É muita trombada no bom senso”, afirmou. Outros opositores
seguiram na mesma linha. “A divulgação foi um desastre, muito infantil”, disse
o opositor Júlio Delgado (PSB-MG). Para ele, um grupo de indecisos poderia ser
influenciado pelas palavras do vice-presidente e se decidir por não apoiar o
impeachment.
Outro
oposicionista, Bruno Araújo (PSDB-PE), discorda dessas avaliações. “Tudo
impacta, em maior ou menor escala o impeachment até o dia da votação, mas a
votação está praticamente cristalizada, dos dois lados”. Carlos Marun (PMDB-MS)
saiu em sua defesa: “Temer estava consciente da responsabilidade de estar
preparado para assumir o comando da nação em conformidade com o seu papel
constitucional”, ponderou. Fonte: jornal El
País na sua versão online
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