Poema da Grande Transformação (Arcano 13)
A primeira vez
que a Morte passou pela minha vida,
caíram-me por terra
a coroa do império, o cetro do orgulho,
o castelo da vaidade.
E fui ficando mais leve
do enorme peso da vida.
A segunda vez
que a lâmina da Morte passou pela minha vida,
cortou-me os braços
e todo o apego fugiu-me por entre o dedos.
E fui ficando mais livre
do enorme peso de existir.
A terceira vez
que a lâmina da Morte passou pela minha vida,
cortou-me as pernas
e aprendi a caminhar com os próprios passos.
E fui ficando mais livre
do eterno peso de existir.
A quarta vez
que a lâmina da Morte passou pela minha vida,
rasgou-me o horizonte do coração
e todas as estrelas do futuro
caíram-me aos pés.
E fui ficando mais solto
do pesado fardo de ser.
A enésima vez
que a Morte passou pela minha vida,
já estava podado
de quase todos os excessos do ego.
Separado o espesso do sutil,
reduzido à essência do ser.
E fui ficando mais leve
do aéreo peso da vida.
A última vez
que a Morte passou pela minha vida,
decepou-me o pescoço e a esperança.
Minha cabeça rolou pelos campos de toda memória.
Estava livre de todo o excesso da matéria
e comecei a viver.
A paixão segundo Alcântara
Dorme em toda alma alcantarense
um beco antigo / um anjo barroco
e uma saudade portuguesa
Uma taça de mar
que sirva de oráculo e rota
aos descobrimentos do sublime
Um dia serei ruína
minha memória despencará
das janelas do tempo
Viajante que passa
eterniza o teu momento:
leva do azulejo um pensamento
Cidade de prateleiras vazias
de vidraças vazias
de lembranças vazias
O sol avisa o racionamento
das 6 às 18 h
para manutenção das caldeiras
Diamante cortando a vidraça
o olho de Deus
a atravessa verticalmente
(p. 33-34)
AUTO DO RETRATO
Este corpo não é meu.
Visto-o como emprestado
a algum nobre antepassado
que dentro em mim se escondeu.
Esta alma não é a minha.
Habita apenas o eterno
inútil espaço de um terno
que com o corpo caminha.
Não é minha a cicatriz
que desenharam nos ombros
nem esses olhos de escombros.
Tampouco o queixo e o nariz.
De mim apenas o gesto
o olhar o passo a ironia
a fútil genealogia
de tudo que sobra e é resto.
(p.46)
OS BÁRBAROS ³
São os bárbaros que vêm
com suas legiões de planetas
suas roupas de acrílico
botas de sete léguas
e o estandarte de ouro líquido.
Navegam os cavalos do azul
esporeiam a esperança
penduram a pureza nas ruínas
têm o firmamento nos olhos
mas o olhar é de rapina.
São os bárbaros que vêm
iluminar nossas auras.
Faremos corte às coortes?
Somos de pasto ou corte?
Seus troféus: nossa estima.
– A mangueira está florida?
– é porque os bárbaros vêm!
– e já chegaram os convivas?
– é porque os bárbaros vêm!
Ouvi as patas dos seus cavalos
escoiceando o espaço.
Ei-los os barões das galáxias
querem o céu e os seus halos
querem a terra não os sete palmos.
Doces de espécie servi-lhes
ladainhas entoai-lhes
cidadania ofertai-lhes:
doarão carta de alforria
à nossa frágil soberania?
Triste e desolada Alcântara
calai as vossas carrancas
findo está o desespero
são os bárbaros que vêm
salvar-nos de nós mesmos!
Luis Augusto Cassas - é um poeta maranhense
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