sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Mudança ou continuímso, eis a questão!

Luiz Carlos Bresser-Pereira - Folha de S. Paulo, 12.02.1985

O debate político central hoje no Brasil é o da mudança versus o continuísmo. A eleição de Tancredo Neves foi o resultado de uma grande frente nacional que uniu todos os partidos, inclusive a dissidência do PDS, que colocou lado a lado esquerda e direita, progressistas e conservadores. A iniciativa de sua candidatura coube sem dúvida ao PMDB, particularmente a Franco Montoro, e estava comprometida com a clara idéia de mudança. Os empresários e as dissidências do PDS só aderiram ao candidato do PMDB quando seus próprios candidatos Aureliano Chaves para a maioria viram suas candidaturas inviabilizadas. A iniciativa coube, portanto, ao PMDB, que escolheu um candidato do seu próprio partido. Mas Tancredo Neves recebeu a preferência do PMDB sobre Ulysses Guimarães exatamente porque era o homem da conciliação e do consenso, era quem poderia obter o apoio das dissidências do PDS.

Nesses termos não é razoável prever ou esperar que o governo seja marcado exclusivamente pela mudança, ainda que também seja apressado afirmar, como o fazia recentemente Paulo Francis, que o continuísmo prevalecerá.

Que haverá elementos de continuísmo não há qualquer dúvida. Não apenas a composição de forças que apóia o novo governo, mas também o próprio caráter capitalista da formação social brasileira levam nessa direção. Mas isto não impedirá as mudanças, não apenas porque Tancredo Neves está pessoalmente comprometido com elas, não apenas porque o PMDB é o maior partido a garantir o apoio ao presidente eleito, mas também porque as bases populares e de classe média exigirão mudanças, colocarão como prioridade o desenvolvimento social, a melhor distribuição da renda.

Nesse ponto a constituição do ministério é importante, mas não é decisiva. Esse ministério será afinal fruto da visão de estadista de Tancredo Neves e da sua capacidade de administrar as pressões legitimas e repudiar as ilegítimas. E depois de constituído o ministério é inevitável o descontentamento de muitos.

O importante, entretanto, é, em primeiro lugar, que Tancredo Neves possa, ao constituir se ministério, criar uma verdadeira equipe. Uma equipe de homens que gozem de sua confiança pessoal. Em segundo lugar, é importante que essa equipe compreenda que é preciso combinar mudança com continuidade, coragem com prudência. E, em terceiro lugar, é fundamental que essa equipe procure apesar de todos os percalços dessa tarefa funcionar como árbitro entre as demandas sociais e as necessidades de ordem, entre o risco das idéias inovadoras e a segurança da repetição do que sempre foi feito.

Se especialmente esta última condição foi lograda, a mudança terá sido enorme. Porque a característica fundamental dos governos militares dos últimos 21 anos foi a de não assumir nem procurar assumir jamais o papel de árbitro do conflito social. A razão estava sempre, a priori, com a ordem, com a segurança, porque a própria racionalidade do governo confundia-se com a razão em pensante das classes dominantes, ou então, com a pretensa razão técnica dos burocratas civis e militares. A grande mudança será o abandono desse tipo de racionalidade perversa.

Em Tempo:

Na nossa cultura, todos querem se perpetuar no poder seja individualmente ou através de um grupo político ou de uma associação. Os políticos fazem da política uma profissão, os sindicalistas idem, os advogados também seguem pelo mesmo caminho. O que será que existe de altruísmo nas pessoas em quererem permanecer indefinidamente num cargo? De altruísmo não existe nada, mas apenas, a vontade de permanecer com o poder nas mãos.

Uma classe consciente como a dos advogados, não deveria permitir que um grupo (uma diretoria) tivesse mais de um mandato, porque não adianta mudar a cabeça se o corpo permanece.[Dom Severino]

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