Líder americano tirou opção militar da mesa e passou a acreditar que sanções são mágicas
02 de abril de 2014 | 2h 03
Não estourem champanhes só porque Vladimir Putin telefonou para Barack
Obama para buscar um acerto diplomático sobre a Ucrânia e arredores. Pode ser
apenas um truque, como a proposta de Moscou de despojar a Síria de armas
químicas para evitar um poderoso ataque aéreo americano contra as tropas do
presidente Bashar Assad. Pode ser apenas uma manobra para conter o ímpeto do
Ocidente para aumentar as sanções contra a Rússia.
Todas as explicações
sinistras do telefonema ganham peso pelo fato de cerca de 25 mil soldados
russos continuarem a ameaçar as fronteiras da Ucrânia.
Mesmo que Putin esteja falando sério sobre diplomacia neste momento, há
um problema mais profundo para Obama. Trata-se de um que a Casa Branca rejeita
completamente, mas que tem preocupado autoridades e especialistas de fora do
governo. A questão é que a ideia de Obama de combater a agressão basicamente
com sanções econômicas e "diplomacia" não é minimamente suficiente,
que o custo de uma agressão deve ser aumentado e deve haver uma dimensão militar
mais forte e mais crível na política de segurança nacional americana.
Que a Casa Branca admita ou não, inimigos de todas as partes do mundo
parecem ter concluído que Obama tirou a opção de força militar americana da
mesa.
Nessa ótica, convém analisar melhor o que Obama disse na quarta-feira
sobre um ataque russo à Ucrânia: "Evidentemente, a Ucrânia não é um membro
da Otan, em parte por sua trajetória complexa e próxima da Rússia. A Rússia não
será tampouco desalojada da Crimeia ou dissuadida de uma nova escalada por
força militar". Isso soa terrivelmente parecido com dizer a Putin que se
ele quiser abocanhar mais da Ucrânia ou toda ela, não terá de se preocupar com
uma resposta militar americana. Aliás, o presidente está dizendo que o único
custo para a Rússia por violar totalmente as regras básicas de comportamento
internacional é a ameaça de sanções mais duras (e isso somente se os europeus e
outros conseguirem agir em conjunto).
Por que raios Obama daria a Putin essa carta branca? Será que a Casa Branca
teme que, a menos que os ucranianos se sintam totalmente abandonados, eles
poderiam ser suficientemente incautos para precipitar uma guerra com a Rússia?
Se fosse essa a preocupação da Casa Branca, Obama poderia ter advertido publica
e privadamente os líderes ucranianos de que sua única chance de ajuda do
Ocidente era deixar absolutamente claro que Moscou é a parte culpada.
Quando Obama disse que os EUA não fariam nada militarmente para proteger
a Ucrânia contra um ataque, ele estava de fato se afastando do Memorando de
Budapeste, de 1994, assinado por Ucrânia, Rússia, Grã-Bretanha e EUA. Por esse
documento, a Ucrânia devolveu suas armas nucleares à Rússia sob a promessa de
todas as partes de não violarem a segurança e soberania da Ucrânia. Com certeza,
nem Londres nem Washington estavam legalmente obrigados a defender a Ucrânia se
ela fosse atacada, mas é perfeitamente óbvio que Kiev jamais teria aberto mão
de suas armas nucleares se não acreditasse que os EUA sairiam em sua defesa de
alguma forma.
O documento de Budapeste só faz sentido historicamente como um acordo de
reciprocidade apoiado na crença de que os americanos agirão. Os EUA não podem
simplesmente se afastar do significado claro do Memorando de Budapeste e deixar
a Ucrânia desprotegida. E, como essa lavagem completa de mãos, dos EUA afetará
os esforços para impedir a proliferação de armas nucleares, supostamente uma
alta prioridade nacional?
Por que alguma nação abriria mão de armas nucleares ou as entregaria,
como a Ucrânia, se outras nações, em especial os EUA, não sentirem a menor
responsabilidade pela sua defesa? Não se trata de Washington enviar tropas
terrestres ou começar a usar suas armas nucleares. Trata-se apenas de que
agressores precisam ver alguma ameaça militar em potencial.
Já é bastante ruim que Obama pense na resposta americana à Rússia na
Ucrânia quase exclusivamente em termos de isolamento diplomático do facínora,
mais sanções econômicas tais como as existentes ou que poderiam existir e um
toque de ajuda militar. A preocupação real é que esse se tornou seu padrão
mundial.
Contraventores gananciosos foram fortalecidos pelas "linhas
vermelhas" de Obama não aplicadas na Síria. O mesmo vale para foguetes
norte-coreanos caindo em terras sul-coreanas sem uma penalidade séria. E o mesmo
vale para o novo padrão de flexão de músculos da China para estabelecer seus
interesses nos mares do Sul e do Leste da China (ou Mar do Japão).
A Ucrânia só reforça o padrão. Sanções econômicas são uma boa
ferramenta, mas não substituem uma opção militar crível. Sanções econômicas
poderosas durante décadas não conseguiram colocar Cuba, Irã e Coreia do Norte
de joelhos. A Rússia será ainda mais difícil de quebrar com sanções econômicas
porque é a oitava economia do mundo.
Como os EUA poderão agir com maior vigor na atual crise da Ucrânia? O
caminho mais ousado e mais arriscado seria enviar 50 ou 60 dos incrivelmente
potentes F-22 à Polônia, mais baterias de Patriot e suporte e proteção
terrestre apropriados. A pior coisa seria blefar. Os perigos tampouco terminariam
mesmo que Obama não estivesse blefando; Putin poderia mesmo assim pensar que
ele estava blefando e começar uma guerra. Apesar de todas essas complicações e
riscos, a equipe de Obama ainda deveria dar a essa opção uma séria apreciação -
e deixar a Rússia e nossos parceiros da Otan saberem que esse caminho duro está
sendo seriamente considerado. Obama enviou alguns F-15 e F-16 à Europa
oriental, alguma ajuda militar à Ucrânia e outros Estados, mas todos sabem que
isso é uma cortina de fumaça.
Outra medida plausível e menos arriscada: ajudar a preparar ucranianos
para uma guerra de guerrilhas contra uma força invasora russa. Numa guerra
convencional, as forças ucranianas não são páreo para os russos. No entanto,
forças ucranianas irregulares armadas com rifles de primeira classe, morteiros
e artefatos explosivos causariam grandes danos às tropas russas. Os russos
sabem disso. Eles certamente não se esqueceram dos horrores de combater
guerrilheiros no Afeganistão.
Para começar, essas medidas seriam plausíveis, puramente defensivas e
dissuasórias. Elas demonstrariam a Moscou que novas agressões contra a Ucrânia
resultariam em muito mais que bofetões econômicos e diplomáticos. O uso de
força crível tem sido o ingrediente em falta na política americana. O apoio ao
que poderia ser a resistência ucraniana, combinado com um deslocamento de F-22
para a Polônia "para proteger os interesses de segurança de EUA e da Otan
na região", faria Putin pensar. E essa abordagem também faria os ditadores
de Pyongyang, Damasco e Pequim pensarem duas vezes./
*Leslie G. Gelb é presidente emérito do Council on Foreign Relations.
TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK .Fonte O estadão
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