quarta-feira, 20 de julho de 2016

O oriente e o ocidente no Festival de Música Barroca de Alcântara (MA)



Idealizado pelo francês Bernard Vassas, festival focado na música barroca leva músicos brasileiros e estrangeiros para o Maranhão

por Alvaro Machado — publicado 19/07/2016 13h59 


Uma das atrações do festival, que acontece entre 21 e 27/07, será a Ensemble Gaoshan Liushui, com cinco músicos descendentes de chineses

“Uma verdadeira batalha foi o início do Festival de Música Barroca de Alcântara, há cinco anos, quando tivemos a ideia de fazer algo na linha dos festivais musicais de Minas Gerais. Me perguntavam: ‘Barroco o quê? O que é isso?’, achavam que eu era louco”, lembra o francês Bernard Vassas, idealizador do evento realizado no estado do Maranhão, neste ano em sua quinta edição, dividida entre quatro municípios: São Luís, Bacabeira, Rosário e Alcântara.

Idealizado por Vassas, com curadoria de Phillippe Leclant, também gaulês, o festival funciona nos moldes do Festival Amazonas de Ópera (em Manaus), a mesclar músicos estrangeiros e brasileiros. 

Neste ano, o público local e visitantes assistem a 14 concertos sob o tema “Diálogos Musicais Entre Oriente e Ocidente”, com os grupos Boston Camerata (EUA), de instrumentos antigos, dirigido pela soprano francesa Anne Azéma; Ensemble Gaoshan Liushui, com cinco músicos descendentes de chineses; Yaquin Ensemble, com oito instrumentistas pesquisadores dos sons do Oriente Médio e o alaudista e cantor marroquino Abderrahim Abdelmoumen, de tradição sufi, entre as melhores vozes seu país; e o grupo brasileiro Encontro Oriente Ocidente.

Este, com a soprano e pesquisadora do Barroco Marília Vargas e outros quatro músicos, irá comemorar os cinquenta anos do álbum antológico que reuniu o indiano Ravi Shankar (sitar) e o norte-americano Yehudi Menuhin (violino). Outra voz desse grupo é a da cantora síria Ouyla Al Saghir, radicada há um ano no Brasil.

Além dos concertos em teatros, igrejas e conventos, o festival promove ações pedagógicas em museus e escolas, além de ações sociais, como uma visita musical à Penintenciária de Agricola de Pedrinhas (em São Luís), na manhã do dia 27 de julho.

Se ninguém parecia saber sobre música barroca na primeira edição do Festival de Alcântara, agora com cerca de cinco mil habitantes locais nas plateias, ano após ano, o tema já não soa tão estranho.

A maior dificuldade é, desde a primeira edição, a logística, ou seja, fazer as pessoas e seus instrumentos chegarem a uma capital cada vez mais à margem do circuito econômico brasileiro.


Mas o idealizador tem grande experiência no ramo de produção cultural desde 1988 no Brasil, e a desenvolver também, nesse período, trajetória internacional em distribuição de direitos de exibição de documentários, programas esportivos etc.

Ao apaixonar-se por Alcântara e por seu patrimônio histórico colonial – ainda a manter a maioria dos traços arquitetônicos da época de sua fundação por franceses que exploravam a costa brasileira, em 1648 –, Vassas abriu agência de turismo na cidade em 2008, e divide-se hoje entre o Maranhão, o Rio de Janeiro e Ho Chi Minh (antiga Saigon), outro polo urbano fundado por franceses.


Dirigido pela soprano francesa Anne Azéma, The Boston Camerata utiliza instrumentos antigos

Inicialmente, percebeu forte identidade entre os patrimônios históricos de Alcântara e a capital de Cuba, Havana, e pensou em firmar parceria para a preservação e a revalorização do patrimônio histórico de ambas.

O projeto não deu certo, mas o francês apaixonou-se pelo “pequeno paraíso” e por seu conjunto arquitetônico colonial, classificado, com o de São Luís, “patrimônio histórico cultural” pela Unesco, em 1997.

“Apesar de constituir um destaque na identidade cultural do País, hoje a maioria das autoridades e dos políticos preferem esquecer a existência desse conjunto, pois ele não rende votos. Como conseguir dinheiro para preservar a arquitetura antiga quando não são atendidas nem as necessidades básicas da população do Maranhão, como as dos quilombolas na miséria? Desse jeito, algo que faz parte da memória coletiva acaba por ser visto mais como um problema do que coisa positiva, em um retrato das contradições brasileiras atuais”, recapitula Vassas.

O festival foi concebido também com o propósito de revitalizar a tradicional e belíssima Festa do Divino de Alcântara, realizada há cerca de 250 anos, porém atualmente “mal divulgada e muito mal-cuidada”, conforme Vassas.

De outro lado, 90% do público jamais havia entrado em uma sala de concerto na primeira edição do festival. “Ao lado da formação do público, damos muita importância a ações pedagógicas e sociais. Pois, se deputados e vereadores não se interessam, é preciso associar funções sociais ao projeto e criar ações conjuntas, com ‘atividades financiadas’ para alcançar essa revitalização.”

O festival contou, por quatro anos, com patrocínio da Petrobras e, assim, estendeu-se a Rosário e Bacabeira, em cuja área seria construída a Refinaria Premium I, pensada para ser uma das quatro maiores do país.

Mas o projeto petroleiro foi paralisado e, assim, o suporte atual é do Banco Nacional de Desenvolvimento – BNDES, via Lei de Incentivo à Cultura. Já Rosário é lembrada por atividade turística, na qualidade de “porta de entrada dos Lençóis Maranhenses”.

“É importante associar sempre outras atividades e instituições para a finalidade de conservação de patrimônios culturais. Em Cuba, por exemplo, o comunismo acabou por entender que isso é importante, e que não adianta recorrer somente ao Iphan deles (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional)”, diz Vassas.

Phillippe Leclant, também responsável pelo Festival Musical de Maguelone (perto de Montpellier, no Sul da França), idealiza tema e programação. Para uma das edições anteriores, convidou o cravista mineiro radicado na Europa Bruno Procópio, porém descobriu-se que não havia um cravo sequer em todo o Estado do Maranhão, e este teve de ser transportado em avião militar desde São Paulo. Apesar do número significativo de igrejas e conventos em estilos barroco e colonial, São Luís e Alcântrara também não contam com órgãos de tubos em funcionamento.

A eleger temas gerais para cada edição do evento, Leclant e Vassas promoveram, na edição passada, o encontro de instrumentistas e cantores latino-americanos especializados em música antiga, com a vinda de grupos cubanos, venezuelanos, paraguaios, brasileiros, fazendo com que os músicos se conhecessem, finalmente, em terras de seu próprio continente, e não em contatos esporádicos nos grandes festivais europeus.

Em outras edições escolheu-se a música praticada pelos fundadores franceses de Alcântara, em 1612; a música holandesa dos ocupantes cultos do Nordeste, também no século XVII; e, ainda, a música das Missões Jesuíticas no Maranhão, terra para a qual esses religiosos alimentavam grandes aspirações, como se percebe dos famosos sermões do padre Antônio Vieira.

Sob o título “Encontro Oriente e Ocidente”, deste ano, é lembrada a atual problemática internacional e, ainda, o fato de que 12% por cento da população de São Luís é de descendência sírio-libanesa.

A ação social no Presídio de Pedrinhas, em São Luís, tristemente célebre por episódios recentes violentíssimos consistirá em um concerto realizado na capela da penitenciária. Detentos homens e mulheres se juntam para uma apresentação de artistas do festival. Haverá, ainda, uma conversa entre músicos e presos. É a segunda vez que essa iniciativa acontece, reunindo mais de trezentos reclusos. Um coro de presos também se apresentará.

“Com o apoio da Secretaria de Segurança do Estado, o objetivo é fomentar um projeto de ensino musical clássico dentro do sistema penitenciário do Estado, que reúne mais de seis mil presos, com 2,5 mil desses em Pedrinhas”, afirma Bernard Vassas. Conteúdo da revista Carta Capital na sua versão online.

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