Um dos músicos cearenses que ganharam o sudeste na década de 1970, o violonista Wilson Cirino foi além. Construiu carreira solo, tocou com grandes nomes da MPB e teve música gravada por Elis Regina.
O homem de cabeça branca e passos lentos que abre a porta da pequena casa na Cidade 2000 é um grande nome da música nacional. Talvez a maioria dos vizinhos daquelas alamedas do bairro planejado nem saibam, mas o quarto-e-sala de número 141, habitado por José Wilson Cirino Sino, guarda um dos maiores violonistas que o Ceará já produziu. E compositor e cantor e arranjador também.
É provável que o conheçam mais pela plaquinha no
portão, que divulga as aulas de violão erudito e popular que hoje ele dá para
se manter. Cirino sempre viveu de música. Cantando, gravando, compondo - agora
ensina. Disso não tem do que reclamar. “Meu fraco é a música”, diz ele como
quem fala de um vício.
Mas Cirino não é só professor. É “músico” no
sentido mais elevado da palavra. Conhecedor de Chopin, Mozart, Bach e tantos
autores da música clássica cujas histórias ele ouvia do pai, um dentista
apaixonado por violão. Cirino diz que ser “músico” não é para qualquer um. “Tem
muito cantor famoso por aí que não é”, criva, rigoroso.
De formação caseira, apresentado à música por dr.
Wolner que, por sua vez, já havia sido formado pelo avô e o tio, num clã
inteiro feito de notas e melodias, o menino começou a tocar cavaquinho aos 3
anos de idade. O violão não foi o primeiro brinquedo porque ele ainda não tinha
tamanho para abarcar o instrumento. “Quando abracei mesmo o violão, fui fundo
no estudo. Ultimamente ando meio preguiçoso, mas ainda me dedico”, diz,
modesto.
Da música clássica ouvida em casa às serestas em
que acompanhava o pai, a chamada “formação de esquina” foi outra etapa
importante da trajetória de Cirino. “Eu ia nos bares, entrava em boate, que era
proibido criança entrar, mas eu entrava só pra ver como eles tocavam, e foi
assim que conheci grandes músicos de Fortaleza, como Saci, Marçal, Edson
Távora. Todos finíssimos, tocavam de tudo e compunham também”, lembra ele.
Nessa época, adolescente ainda, começou a se
enfurnar no meio artístico da Capital. Dos ensinamentos de ouvido, nos bares,
passou para o ensino regular nas aulas no Conservatório Alberto Nepomuceno até
chegar ao teatro por meio do Grupo Cactus. Os anos eram 1963/1964, tempos de
Golpe Militar, e daí vieram as primeiras canções de protesto.
Esse momento marca também a opção definitiva de
Cirino pela música. “Eu até me preparei pra tentar Engenharia, Medicina, mas
meu negócio era o violão, eu queria fazer música”, conta. O pai não relutou e o
rapaz passou a frequentar os círculos culturais da cidade, festivais e bares
onde sobravam boemia e criatividade. Sempre agarrado ao instrumento do qual
ainda hoje tem ciúmes. Quem denuncia é a namorada Solange Benevides, que pede
permissão para pegar o violão que Cirino dedilha durante a conversa.
O Rio
No começo da década de 1970, Sérgio Costa, o poeta,
parceiro de músicas e lembranças, foi o responsável por levar Cirino ao Rio de
Janeiro. Foi na casa dele que o amigo se instalou e era para lá que, no começo,
gente como Belchior, Fagner, Jorge Melo também arranjava abrigo na Cidade
Maravilhosa.
Assim que chegou, Cirino tratou de gravar um
compacto com Sérgio Costa e Fagner. Nascia ali o “Copaluz/Nova Conquista” e uma
parceria que se estendeu até pelo menos 1981, quando Cirino gravou “Moenda” no
estúdio de Fagner. Antes, em 1978, “Estrela Ferrada”, seu primeiro e aclamado
LP.
Em meio à vivência de música e criação quase
ininterrupta do grupo de cearenses na casa de Sérgio Costa, uma canção escrita
por Cirino e gravada por Elis Regina. “Quarto de pensão”, apresentada por
Fagner à cantora, seria só a primeira composição de Cirino a projetá-lo. Depois
veio “Baião do coração”, na voz de Simone. Por meio dessas canções, aliado ao
talento como arranjador e violonista, ele conheceu e tocou com Gilberto Gil e
Caetano Veloso. Construiu carreira solo nas noites cariocas até decidir, por
questões pessoais, voltar para Fortaleza.
Aqui, tão longe da “roda viva” do eixo Rio-São
Paulo, Cirino ainda pena para se adaptar. Tem dado aulas, mas confessa que
sente falta dos encontros, das rodas surgidas com e pela música. E diz: se não
tem quem requisite, a tendência é se retrair.
Mais uma prova do músico que Cirino é, porque mesmo
sem que ninguém peça, ainda que faltem espaços, ele continua compondo. Tem
pensado em produzir um novo show, com canções inéditas e clássicas. Quem sabe
até grave um novo disco.
“E não é porque ninguém quer, não, tô fazendo
porque tô sentindo”. Pulsão que só músico entende.
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