quarta-feira, 11 de novembro de 2020

A poesia segundo José Chagas

 

Indagações do vento

 

Ossos do Guevara:
— esqueleto do sonho?
natureza rara
de assombro medonho?

Ideais sepultos
que brotam de novo?
revide aos insultos
que sofreu o povo?

Soturna guerrilha
que o mundo reclama
pensando que brilha,
já não sendo chama?

Será brasa viva
a arder o futuro?
Cinza que se ativa,
fogo de monturo?

Será que a ossada
de Che ainda aduba

a terra encharcada
do sangue de Cuba?

Que cães vão em busca
desses ossos dúbios,
ao sol que hoje ofusca
tão falsos conúbios?

A alma latina
nasce desses ossos,
como o que germina
dos estrumes nossos?

Será que esse mito
que do chão renasce
fará o infinito
encarar sua face?

Será que ele é visto
como um santo novo,
ou num neocristo
na reza do povo?

Pode um morto só
nos dar esperança, a
o fazer-se pó
que ao vento se lança?

E o que o vento indaga
ganhará resposta,
ou somente a praga
da verdade exposta?

Um herói em osso
mantém seu tutano,
em meio ao destroço
do destino humano?

Posto assim Guevara
nos ossos do ofício,
a morte o declara
pronto ao sacrifício?

Seu caminho torto
será que ainda alcança
o perdido porto
de sua esperança?

 Ossos do Guevara:
— quem é tão fecundo
que os toma e prepara
a sopa do mundo?

José Francisco das Chagas nasceu em Piancó, Paraíba, em 29 de outubro de 1924. Poeta, jornalista, membro da Academia Maranhense de Letras (AML).

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